segunda-feira, fevereiro 21, 2005

Pedestal

Hoje de manhã chovia torrencialmente. Acordei às quatro em ponto com um temporal de arrancar telhas. Assim, fiz tudo com calma: arrumei as meninas com antecedência, tomei banho feito gente civilizada. Quando estava arrumando minha bolsa, ouço um grito da varanda: “Mamãe, corre aqui!!!”
Quando cheguei perto, Zé Colméia não falou nada: apenas apontou para o ninho já meio desfeito, e um projeto de passarinho dentro, resfolegando. Catatau não viu nada, brincando que estava com a empregada, que achou por bem distraí-la antes que ela visse o passarinho sofrendo.
Me ajoelhei e peguei o ninho nas mãos, sem saber o que fazer:
– Salva ele, mamãe! Faz alguma coisa!
– O que, filha? Eu não sei o que fazer!
E o pobre passarinho ali, molhado, pequenino, naquele ninho se desfazendo nas minhas mãos. E ele parou de se mexer.
– Mamãe, ele... morreu?
– Morreu, filha. Desculpe. Não fica triste.
O que você diz? Nada. Ela não parava de olhar para o passarinho, que parecia que ia se desmanchar junto com aquela bola de palha. Me levantei, entreguei o ninho para a empregada, dei a mão às duas e descemos as escadas. Entramos no carro. Quando viramos a primeira esquina, minha filha olhou para mim. Estava chorando, pela primeira vez na vida, como uma adulta: em silêncio, com raiva do mundo. E quando ela me olhou, eu chorei com ela. Não por causa do passarinho morto, que Deus me perdoe. Mas porque, naquele exato momento, aos olhos da minha filha, minha adorada e corajosa filha, eu deixava de ser onipotente e passava a ser, simplesmente e até o fim de nossas vidas, falível.

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