sexta-feira, setembro 15, 2006

Ali atrás



O que eu escrevo quase sempre não tem direção, não é pra ninguém. É para mim, para eu me ouvir. Para que eu pense que o que sinto tem sentido, razão de ser. Que não é vão.

Mais ou menos quando olho pela janela do ônibus, esperando que saia do ponto final. Observo as velhinhas saindo com seus roupões de banho (de banho, mesmo) da academia, vindas da hidroginástica - sim, a praça é extensão da casa delas - ou os velhinhos fazendo tai chi chuan ("Um oferecimento do Supermercado Zona Sul, agora no coração de Laranjeiras"). O ipê desfolhou e agora mostra sua nudez coberta de flores, tão lascivo e despudorado.

"Não morrem: se agrupam no céu". Esse é o lema dos bombeiros. Um quartel pequeno, acanhadinho, mas limpo e arrumado. Oito da manhã, todos os sete bombeiros de plantão perfilam-se para o hasteamento da bandeira. Os guris que brincam no escorrega vão lá pra cima da casinha suspensa ver a cerimônia. E sempre sai um "Quando eu crescer quero ser bombeiro" bem baixinho, em tom respeitoso. Como a cerimônia convém.

Debaixo do caramanchão, a partida de truco. Acirrada. Decidida palmo a palmo. Ânimos exaltados. "Merda, Anísio, de novo! Você tá roubando, só pode!"

Carolina, cabelos compridos, corpo esbelto e pernas longas, dá lençóis homéricos nos garotos que jogam bola com ela, todo fim da tarde. "Porra, Carol, deixa de ser marrenta!" diz o grandalhão, depois de ganhar uma bola entre as pernas. Carol ri, bola debaixo do braço, e atravessa a praça, quatro pares adolescentes de olhos apaixonados colados nela. Nela. Não na bunda, não no corpo, não nos seios pequenos e delicados. Nela.

E ele uiva, late, reclama. Sentado, triste assim é aquele labrador negro, codinome "Grandão" para quem freqüenta a pracinha. "Por que ele late, mamãe?" "Sei lá, filho. Pela cara dele e pela conversa ali, deve estar morrendo de tédio." "O que é tédio?" "Não ter nada pra fazer" "Ahhh", diz o menino, enterrando a pá na areia."Ele podia ler alguma coisa, né? Ou comer um osso. Será que tem algum osso enterrado aqui?" E cava mais, e começa a botar a areia (para tapar o buraco depois, lógico, que ele é menino organizado) dentro da bolsa de brinquedos da mãe.

Praça São Salvador, "no coração de Laranjeiras".

Um comentário:

anouska disse...

um dia você tem que publicar suas crônicas. elas são tão melhores do que tanta coisa que eu leio por aí... bjs saudosos