quarta-feira, setembro 20, 2006

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Estou aqui trabalhando - sim, ainda falta algumas coisas para fazer antes de encerrar o dia. As meninas estão brincando com minha mãe na sala, meu pai está ao telefone com uma prima distante. A radioterapia começou hoje.
Ele foi temeroso, voltou cabisbaixo. No alto da coxa, um "x" dentro de um círculo marca o local onde ele recebeu a radiação. Agora, ao telefone, fala de coisas que eu jamais imaginei que meu pai falaria.
A mágoa imensa que ele tem do meu avô. A raiva incontida nas palavras secas "Minha mãe não fazia por mal. Ela era ignorante, mesmo. Uma grande ignorância". A saudade de uma tia que o criou, os primos que há muito não vê.
Ele sente muito medo, eu sei. Medo do que está desmoronando, do que ele não terá mais. Da curva que desce lentamente. Aquela sensação que todo mundo deve sentir quando diz "Ah, mais eu estou na metade da vida" e instantaneamente percebe que não viverá 142 anos.
Eu não parei de digitar nem um minuto, mas por um momento eu não fazia a menor idéia do que estava escrevendo. Meus pensamentos eram somente para aquele homem idoso, amedrontado, que deixava o menino solitário - que sempre viveu reprimido dentro de si - finalmente falar.

2 comentários:

Anônimo disse...

Ama ele mais que nunca, ama tudo, principalmente os defeitos, são os que depois mais nos fazem falta.

anouska disse...

texto lindo e tão triste... essa consciência que ele tem do que está por vir é o pior de tudo. ele com certeza vai precisar de você. força. bjs