quinta-feira, fevereiro 15, 2007

Bricabraque



Uma amiga desistiu de um emprego maravilhoso na Gávea, porque ia ficar lá de nove às cinco e, contabilizando o tempo no percurso Santa Teresa/Gávea/Santa Teresa, ela concluiu que "não vou ter vida própria".

E aí eu parei no ar o que estava fazendo: "Mas eu sou assim." É, eu sou assim. Minha vida parou no ar. Trabalho, casa, crianças. Caio morta na cama à noite, me arrasto feito sonâmbula de manhã. Perfeição é encapar livros sem bolhas no Contact. É olhar-me numa vitrine e congratular-me por não estar descabelada. É alegrar-me quando sinto prazer ao sentir minhas próprias mãos deslizando pelas costas - porque não me lembro mais como é sentir mãos alheias.

Aprendi então a emocionar-me através dos olhos, mas sem deixar transparecer. Cortázar descreve, em "O fascínio das palavras", a experiência que vivencio todos os dias:

"[...] Existe isso tão típico de Paris: as pessoas [no metrô] não se olham nos olhos porque é falta de educação. Então, eu olhava o vidro e via nele, refletida, uma moça que estava sentada na minha frente. Em alguns momentos ela também olhava o vidro, e então nos víamos através dele. Mas isso, socialmente, não era repreensível. Ou seja, um homem e uma mulher não podem se olhar nos olhos de frente, mas podem através de um reflexo indireto. Já que não há por que pensar que o outro está percebendo, você também pode olhá-lo, e assim surge um encontro de olhares."

Eu agora procuro, só isso. Procuro alguma coisa, procuro alguém. E escrevo aqui o que se passa lá fora. Como são as crianças brincando na pracinha. O olhar de tédio pelo fim da vida dos velhos no supermercado. A transformação do meu pai de homem duro, seco e rude num menino sofrido, solitário e, por isso mesmo, encantador. A maneira como o abraço do rapaz faz a moça perceber como ela é importante pra ele, naquele momento trivial, escolhendo iogurte num supermercado. A razão de abaixar a cabeça quando um homem interessante olha pra mim no metrô.

Às vezes sinto o quão pouco realizei até agora. Poucos homens significativos passaram pela minha vida. Amei poucos. E talvez aí esteja o erro? Deveria ter amado mais? Escolhido menos? Tido menos medo?

Deveria ter tido mais tempo? Deveria ter largado mais o que agarrei com tanta força e aberto espaço para que outras coisas fizessem parte do meu quebra-cabeças?

Amar contra o relógio. Amar a favor - do que quer que seja.

2 comentários:

Lys disse...

Um post todinho para mim. As angústias compartilhadas, nem por isso, são menos amargas. Eu tento não pensar no assunto e, a maior parte do tempo, chego a acreditar que o que tenho me basta. Mas há dias em que uma engrenagem qualquer sai do prumo e me contradigo. Acho que me falta mesmo é coragem de dar a cara a tapa.

Anônimo disse...

Quanta pergunta difícil...