sexta-feira, dezembro 18, 2009

Alvorada



Sentada à mesa do café, estava conversando aquela prosa sonolenta de todos os dias com Zé Colméia. Então, mexendo a xícara de café e ouvindo-a contar uma história muito complicada sobre o castigo que uma amiguinha levou por ficar em prova final (sim, ainda existe isso) parei a colher no ar e olhei para cima, para minha filha. E foi como se eu a estivesse vendo pela primeira vez.

Ela falava e gesticulava. Os olhos grandes, o cabelo desgrenhado, os dedos finos nas mãos pequenas. Era a minha filha. E não era. O cadenciamento da voz mudou; agora ela fala meio que correndo, à moda dos adolescentes. As gírias estão ali, ainda empregadas de maneira tosca - são as colagens do que ela ouve da meia-irmã de 18 anos. O tom meio agressivo de quem se julga portadora de toda a sabedoria do mundo, a certeza sedimentada por longos 10 anos de vida. O rosto que está se afinando, a voz rascante que não se tornará redonda jamais. Era ela e não era.

É duro acordar pra vida assim.

domingo, dezembro 13, 2009

No seu caderninho

Plizi, marquem em suas agendas/avisem suas secretárias/ponham despertador:
De 19 a 22 de janeiro.
São Paulo.
Euzinha.
Sem desculpas, viu dona Marília?

Eu prometo



Deixar as coisas para trás, é o meu lema para o ano de 2010. Eu já falei das minhas metas. Então. Essa é uma. E das grandes e inegociáveis. Não serviu, incomodou, não tem jeito? Tchau, a fila andou. Existem outros problemas e probleminhas à frente. Ali, depois do bebedouro, tá encostado um problemão à espera de uma solução - e sem rima pobre, por favor.

Eu guardo coisas para usar "um dia". Empurro tudo para o fim de semana, o feriado prolongado, a folga, para fazer nas férias. Encosto aquela dor de cabeça no cantinho do fundo da nuca para resolver quando tiver tempo. Mas tempo é uma coisa que eu não tenho sobrando - e, francamente, aos 43 do segundo tempo (literalmente) eu não vou gastá-lo pra resolver o que, veja bem meu bem, não tem conserto.

Viviane cansou de me chamar. Cristiane também. Viviane e Cristiane (rima rica, essa. Vou deixar passar) moram ali do lado e mandavam e-mail "Vamos tomar um chope, almoçar, fofocar, viver?" "Não dá, tenho que consertar um monte de coisas na minha existência esse fim de semana. Fica para a próxima." A próxima não chegou, claro. E Viviane & Cristiane deixaram eu & meus problemas se resolverem, esperando quem sabe eu dizer "AGORA eu posso. Vamos?"

Vamos.

quarta-feira, dezembro 09, 2009

...

Cof, cof! Quanta poeira!
Pfu!

terça-feira, dezembro 01, 2009

Boca do caixa

Depois de cinco anos, não há prazer maior do que receber o contracheque com saldo suficiente para viver o mês.

Mesmo que eu tenha me matado de trabalhar nesses últimos 30 dias.

sábado, novembro 21, 2009

2010

Eu tenho um caderno lindo, artesanal, que recebi de presente de aniversário de uma amiga querida. Então, todo ano (já se vão quatro) eu escrevo, numa página, o que eu quero realizar no ano seguinte. Não faço isso nos últimos dias do ano. Faço isso quando acho que o ano corrente já deu o que tinha que dar.

Então. Na folha do ano passado, entre o principal eu disse que queria estar disponível para encontrar amor, quitar todas as minhas dívidas médias e conseguir um emprego. A primeira coisa eu quase consegui, a segunda vou realizar em dezembro e a terceira eu já risquei da lista.

Muita coisa miúda ficou, ainda. "Limpar meu armário", "Livrar-se de tudo o que eu não uso na cozinha", "Dormir cedo" e "Usar todos os cremes que a dermatologista mandou" (consegui não voltar lá para terminar meu tratamento, veja você) são alguns dos itens que serão rolados ano novo abaixo.

Entre os principais para o ano que vem estão "Pintar a casa", "Reformar os móveis", "Brincar mais com as meninas", "Organizar minha agenda para ter fins de semana livres". No pé desta lista há um item que não sei se vou realizar já em 2010 - ou se vou chegar a realizar, algum dia: "Comprar uma boxer - Nome: Tarsila".

quarta-feira, novembro 18, 2009

Mea culpa

Por algumas poucas semanas, eu tive um amigo que me ligava para falar um monte de abobrinhas. Um dia pedi, de maneira carinhosa e sutil como um caminhão de feira descendo sem freios uma ladeira, que ele falasse coisas sérias, também. Eu não dei valor às abobrinhas. Ao contrário daquelas que a gente pica e entope de tempero, abobrinhas na comunicação são saborosas por si só. Necessárias, até.

Eu ria muito. Atendia o telefone sorrindo, desligava mais leve. Hoje, ele não me liga mais. E eu sinto uma falta abissal dele e das abobrinhas que ele falava.

Tinha razão, meu amigo. Você pode me perdoar?

sábado, novembro 14, 2009

...

Apresentei queixa-crime. Minha advogada vai entrar com ação de responsabilidade civil (ou coisa que o valha).
Hoje vou ver uma casa pra alugar, em Santa Teresa - mas lá no alto. No meio do mato.
Hoje fez uma semana. Não fez diferença nenhuma.
Trabalho casa, casa trabalho.
E só.

quarta-feira, novembro 11, 2009

...

Eu sempre me lembro de você, meu amigo. Até porque queria saber a receita, o remédio, a maneira, o truque, o pulo-do-gato, o segredo, o macete, a chave tão bem guardada para fazer com que pare de doer. Um dia.

Porque eu poderia tê-la levado mais cedo no veterinário. Podia ter cedido ao vizinho. Ou não ter me ausentado de casa no fim de semana. Podia ter prestado mais atenção e visto que era muito mais sério do que eu pensava. Não deveria ter tentado resolver sozinha. Não deveria ter postergado. Não deveria ter esperado.

Não devia.

Às 13h30m o rapaz do crematório passou na clínica. "A senhora pode deixar que eu vou cuidar bem dela." "Eu vou junto." "Mas ela vai ser cremada com outros animais - por que a senhora não se despede aqui?" "Eu quero cremação individual. E eu vou junto." Ela foi dentro de um saco de lixo, preto. Havia outros dois animais na traseira do carro - um deles ainda na gaiolinha. Ilha de Guaratiba. Chegamos lá perto das 16h. Um calor infernal. Não vi quando a levaram. Eu sei que foi covardia, mas me escondi do outro lado do carro.

O lugar é pequeno, mas bonitinho. Algumas sepulturas de cães e gatos. Branquinha, Fofocão, Suling, Mimi, Thor. "O rapaz está ajeitando tudo, e quando estiver preparado ele vai chamar pra senhora se despedir dela." E eu fiquei andando pelo jardim. E ouvi o crematório a todo vapor. Ele não me chamou. Eu estava criando coragem para dar um beijo nela, coragem pra não me assustar de tocar o pelo gelado.

Nada. Duas horas depois, eu toda suada e picada de mosquitos, ouvi quando ele desligou o fogo e começou a quebrar as cinzas. Batia tentando não fazer tanto barulho, mas era como se marretasse alguma coisa. E eu ouvia as pedras se quebrando. Minha cadela branca e dourada, sempre tão macia e morna, agora era cinza dura e incandescente. "Já está pronto." A urna era de MDF, sem pintura. "A pintada custa mais caro." Escolhi uma, ajeitei o saco plástico com laço verde dentro da caixinha. Saí, peguei uma kombi caindo aos pedaços até a estrada principal. Eram seis da tarde, e armava-se um temporal. Dali peguei um ônibus até a Barra, a caixinha fazendo marca no colo porque, sabe, eu não queria chorar. E o seco dentro do peito era mais doloroso do que qualquer outra coisa.

Desci na Barra às 20h. Mais calor. Peguei o ônibus do metrô - e lembrei que não havia mais ração em casa. Tinha esquecido de encomendar. Às 22h, saltei no Largo do Machado e entrei no supermercado. A caixinha ajeitada dentro do carrinho de compras. Saí com minha cadela querida há oito anos arrumada numa sacola de plástico.

Perto das dez horas, cheguei em casa. Dei comida aos cachorros. Silêncio na casa do vizinho. Estava sem água em casa. Mas não teve importância porque, como em toda situação-clichê, a que saiu de dentro de mim madrugada adentro me bastou. Pelo menos, naquele momento.

No domingo, peguei as meninas na casa de uma coleguinha - a mãe, sabendo da situação, levou as duas para a casa dela. Saímos para almoçar. Passeamos. De noitinha, trouxe-as para o apartamento dos meus pais e contei a verdade. E elas choraram. "Mãe, posso falar palavrão? Por favor, mãe." E desfiaram os três palavrões que elas sabem vezes sem conta. "Mamãe, está doendo tanto aqui dentro. Por que dói tanto?" A morte deixou de ser filme de pou-pou, como Zé Colméia diz, e deslizou para dentro da realidade das duas.

Elas ainda choram durante o dia. Eu choro. Os cachorros não entendem como deixei um estranho entrar e levar embora a companheira dos dois. Ficam nervosos quando eu saio. Ainda esperam que ela volte.

Eu também.

sábado, novembro 07, 2009

...

Minha cadela morreu esta manhã, às 8h46m, de falência renal e insuficiência cardíaca.
Meu vizinho fez um BO contra mim por calúnia e difamação.

Há muito, muito tempo não me sentia tão sozinha, desamparada e perdida como agora.

sexta-feira, novembro 06, 2009

Update

Atualizando o povo:

Minha cadela está muito melhor, depois de ter passado os últimos dias no soro. Foram seis bolsas, e hoje ela conseguiu comer um pouquinho. Os rins foram para o beleléu, mas a veterinária disse que é questão de tempo eles se recuperarem. Ela deve ir pra casa amanhã.

Em contrapartida, a R$ 150 o dia de ambulatório, mas R$ 60 de consulta, mais R$ 60 de transporte mais remédios... Fazendo as contas... E vão dois... E tira quatro...

Segundo dia sem água. Dormimos no apartamento dos meus pais. Com o calor, nem peguei roupa, porque no apartamento eu estava guardando um vestido preto (jamais usado). Surpresa: o decote é gigantesco. Abissal. E eu tinha reunião com o dono da editora. Então, na hora do almoço, tropecei (literalmente) com uma jovenzinha peruana vendendo uns xales na calçada da Rua da Quitanda. R$ 13. Foi o que evitou que eu derramasse meus peitos sobre a mesa de reunião. Porque você sabe, quero vencer na empresa usando talento e inteligência.

quinta-feira, novembro 05, 2009

...

Pra quem acha que eu exagero:

Na terça-feira, primeiro dia de trabalho, saí de casa com um dos cachorros mal se aguentando em pé. O que eu achei que era só mal estar por causa do calor começou a piorar de tal maneira que passei o dia (repetindo: primeiro dia de trabalho) tentando achar o veterinário. Nada.

À noite, o bicho estava lá em cima no terraço, no meio das bananeiras. Achei que estava morto. Nem levantava a cabeça. Desci com o dito nos braços (+ ou - 30 quilos) uns 40 degraus. Evacuava sangue, o pobrezinho. Passei a noite dando soro caseiro. Ontem, desci com ela (é a boxer) e onde eu a deixei encontrei-a no fim do dia, já com o ajudante de uma veterinária que tem um carro/ambulância. Toca com a pobre pro Flamengo, onde ela rapidamente entrou no soro glicosado, antibioticado & outros ados. Diagnóstico: envenenamento. Um doce pra adivinhar quem foi.

Nesse meio tempo, o pai das meninas me liga (17h45m; elas saem às 18h30m) dizendo que, infelizmente, ele está resfriadinho e não vai poder pegá-las na escola. Então eu ligo para uma alma caridosa para buscá-las. Saí da clínica veterinária às oito e meia da noite cansada, vomitada, cagada e suada. Peguei as meninas e fui pra casa. Surpresa! Não tinha água. Tomamos as três banho de água mineral que eu tinha estocado. Uma garrafa de 1,5 litro para cada uma.

Plano B rules, ever.

terça-feira, novembro 03, 2009

Primeiro dia

Lojas Magal
Livraria da Travessa
Melissa
Andarella
Uncle K
Confeitaria Colombo
Saraiva Megastore
Renner
C&A
...

Assim é que eu aceitei esse emprego para, no fim do mês, pedir esmola ali na entrada do metrô da Carioca - porque hora de almoço, minha gente, não foi feita em absoluto pra se comer, não é mesmo?

domingo, novembro 01, 2009

...

Uma nova e reluzente vida começa para mim na terça-feira.
E confesso que estou absolutamente apavorada.

Mãe

Meu celular tem uns dois anos e começou, coitado, a ter uns troços - tipo, eu abro e todas as palavras e números estão escritos invertido, como num espelho. Então eu fui na loja da operadora, munida com meus pontos & vales & brindes & descontos para ver que celular eu poderia pegar digrátis pra economizar o conserto (ou, pelo menos, jogá-lo lá pra frente).

Peguei esse. Adivinha quem está usando o novo e quem está com a latinha velha?

sexta-feira, outubro 30, 2009

Pelos cabides

[vergonhinha] Com tantas coisas pra organizar (incluindo a rotina das meninas) a única coisa que me preocupa é, veja bem, o que vestir. [/vergonhinha]

terça-feira, outubro 27, 2009

I have a zero page rank

Todos os comentários que são postados aqui eu os recebo na minha antiga conta do Yahoo. De vez em quando passo lá pra dar uma olhadinha, e encontrei esse comentário, referente a esse post (já modificado porque, sabe, fazer BO internacional não tá com nada, não é mesmo minha gente? Então):

Um, you have posted an entire blog post from Pajamadeen here. Please remove it; it is copyrighted material. Generally speaking, one can copy a sentence or two to give the flavor of a post somewhere else, but wholesale copying is plagiarism. In addition, Google penalizes for duplicate content - I have a page rank of 4 at Pajamadeen and you have a zero page rank. Guess who Google will penalize for the duplicate content? (Hint: Not me).

While I'm flattered that you like my writing, please remove this post other than a sentence or two of it, or I will file a copyright infringement complaint with Google as well. Thank you.

Pajamadeen at Pajamadeen.com


Eu respondi:

Plagiarism (Google):

a piece of writing that has been copied from someone else and is presented as being your own work the act of plagiarizing; taking someone's words or ideas as if they were your own
wordnetweb.princeton.edu/perl/webwn

Plagiarism, as defined in the 1995 Random House Compact Unabridged Dictionary, is the "use or close imitation of the language and thoughts of another author and the representation of them as one's own original work. ...
en.wikipedia.org/wiki/Plagiarism

plagiarized - plagiaristic: copied and passed off as your own wordnetweb.princeton.edu/perl/webwn

plagiarize - To use, and pass off as one's own, someone else's writing/speech
en.wiktionary.org/wiki/plagiarize

the reproduction of someone else’s words, ideas or findings and presenting them as one’s own without proper acknowledgment. ...
www.latrobe.edu.au/transition/uni-speak.html

Using another person’s work without giving credit.
www.usd.edu/library/instruction/glossary.shtml

The act of appropriating the literary composition of another author, or excerpts, ideas, or passages therefrom, and passing the material off as one's own creation.
ucblibraries.colorado.edu/about/glossary.htm

using someone else's writings or ideas and passing them off as your own.
lib.gccaz.edu/lmc/help/library_terminology.html

Claiming another person's written material as one's own. www.gale.cengage.com/free_resources/glossary/glossary_p.htm

You're welcome.


Because, you know my friends, bullying actually is all around.

Céu digratis



Pra quem (ainda) não lê "As filhas do dono":

Joelma disse...
se tu precisar e companhia pra pisar na cabeça da serpente, ME CHAMA!

Rose Foncée disse...
eu só quero mergulhar na piscina sagrada pra tirar a maria cadela, entidade da yoga, que se apossou do meu corpo e me fez ter hemorróidas. tudo, menos hemorróidas!!!!!

Hellen disse...
Fora que o Pastor Silas é a cara do Norbit... rsrsrsrsrs.

Hellen disse...
Fora que "Tiramos: Chico Xavier", "AidEs". COMO FAZ???? rsrsrsrsrs.

E tadinho do Chico Xavier: desde quando ele foi promovido a encosto??? rsrsrsrs.

Hellen disse...
Ai, meu Deus. Apaga essa imagem daí porque cada coisa que leio, volto aqui pra comentar:

Concorra a uma Monark SEMI-nova... Putz, semi-nova é sacanagem!!!! rsrsrsrsrs.

Hellen disse...
Detalhe: semi-nova com RAIO GROSSO (????)!!!!!

Ai, vou ter cãimbras faciais já, já de tanto rir...

(É assim que escreve cãimbra?).

Suzana Elvas disse...
Hahahahahahahahaha!
Sacanagem é ser Monark - essa marca AINDA existe?

Asma, ai... tô com asma...

:: Consuelo :: disse...
Alguém em diz como se cura amputação, ligamento de trompa? E essa de perdoar os esposos? Putz... e esse tal RPG (descarrego de reeducação postural global?).

Suzana Elvas disse...
Num dá pra ficar longe desse post.

Naruto (pobrezinho) tá na lista das drogas (além dos video gueimes, craro).

O pastor vai a domicílio de moto (tarifa não incluída).

E dá pra dividir no carnê!

Apaga isso, Rose. Eu não vou conseguir trabalhar hoje.

Anzol e entrelinhas



Faz tempo que eu procuro alguma coisa interessante para ler. Por ficção joguei a toalha faz tempo: já estava com varizes de ficar em pé na livraria pescando um trecho ali, um parágrafo acolá, em busca de algum peixe que fisgasse a mim. Até que me dei conta que, na verdade, procuro em água doce o que nada em pleno mar. Jamais pescaria nada que prestasse.

Não me lembro qual foi o último livro de ficção que li. Minto; lembro, sim: "Monte Verità", devorado em menos de duas horas. Mas assistindo um episódio de uma das minhas séries favoritas, me peguei discutindo com Zé Colméia (que é fã, também; dez anos de Umbral por viciar a menina) porque aquela série era legal e outros seriados, não.

"Bom, a história é doida mas é como se fosse de verdade, né? Quer dizer, você ACREDITA que é possível acontecer. Porque toda a história, todos os detalhes, os personagens, a história do povo, é tudo bem amarradinho, então não sobram perguntas pra se responder. Está ali, e eles lembram cinquenta episódios depois que o fulano fez isso - e as consequências aparecem então agora."

Pois é isso que eu estava procurando num livro de ficção. A história bem amarrada. O clímax/anticlímax. A vontade de ver aonde o autor me levaria. Pois eu não encontro mais isso. Todos os autores querem me arrastar praquele programa cinema/restaurante/motel/depois-te-ligo. Ninguém me convida pra ir ao circo, ou a um festival de balões, ou pra um churrasco de amigos em Magalhães Bastos. Não. Cinema/restaurante/motel/depois-te-ligo.

Então eu larguei ficção e comecei a olhar - de novo - pra não-ficção. Comecei a olhar para a minha estante, onde dormem inúmeras biografias que eu não terminei de ler (a de Mao Tsé-Tung foi a última). Meus livros de Carl Sagan, herói da minha infância e que chorei a saudade revendo "Contato" esses dias. Georges Duby, Eric Hobsbawn, Peter Singer, Jean Baudrillard, Roland Barthes (dele, apenas a introdução de "A câmara clara" é o que levarei comigo, porque a idéia contida em "vi os olhos que viram Napoleão" é uma das que me perturbam a cabecinha desde meus oito anos) e outros. E foi Michio Kaku e "A física do impossível" que me fisgaram com pouca linha e quase nenhuma isca na feira do livro ali do Largo do Machado.

Canela, orégano, salsinha, cravo, noz moscada. Estrelas, costumes, guerras, fotografia e o olhar do homem. Qualquer coisa, por mais boba que seja, muda o sabor e o rumo da vida.

A novela mutante

Agora, além de febre baixa e persistente, estou com os braços e as pernas cobertas de manchas vermelhas, esquisitas.
Se eu começar a descascar, falar outra lingua e subir pelas paredes, eu aviso. Por enquanto, só está difícil me concentrar.

segunda-feira, outubro 26, 2009

Logo ali



Aposto que você não sabe quem é Mike Eley. Eu não sabia até ontem (ou, pelo menos, não ligava o nome ao filme :o). Mas ele é o homem que me faz chorar, de vez em quando. E que fez Catatau, ontem, cair em prantos em questão de segundos.

Mike Eley é o autor das imagens de pessoas extravasando sua saudade e sua alegria no portão de desembarque do Aeroporto Heathrow, em "Simplesmente amor" (Love actually). Eu começo a chorar logo no início. E não paro no final.

Whenever I get gloomy with the state of the world, I think about the arrivals gate at Heathrow Airport. General opinion's starting to make out that we live in a world of hatred and greed, but I don't see that. It seems to me that love is everywhere.

Often it's not particularly dignified or newsworthy, but it's always there—fathers and sons, mothers and daughters, husbands and wives, boyfriends, girlfriends, old friends. When the planes hit the Twin Towers, as far as I know none of the phone calls from the people on board were messages of hate or revenge—they were all messages of love.

If you look for it, I've got a sneaky feeling you'll find that love actually is all around.


(Sempre que me sinto triste com a situação do mundo, lembro do portão de desembarque do aeroporto de Heathrow. A opinião geral é a de que vivemos num mundo de ódio e ganância, mas eu não concordo. Para mim o amor está em toda parte.

Muitas vezes não é respeitável ou particularmente interessante, mas está sempre lá, entre pais e filhos, mães e filhas, maridos e esposas, namorados, namoradas, velhos amigos. Quando os aviões atingiram as Torres Gêmeas, até onde eu sei nenhum dos telefonemas das pessoas a bordo foram de ódio ou vingança; eram somente mensagens de amor.

Se prestar atenção, tenho a ligeira impressão que você vai descobrir que o amor está por toda a parte.)

quinta-feira, outubro 22, 2009

Plano B

Amanhã eu tenho uma entrevista de emprego.
E estou (tempo real) com 39,2°C de febre.
Se não der tempo de refazer a henna vermelha no meu cabelo... Bom, as chamas na cabeça já estão garantidas.

quarta-feira, outubro 21, 2009

...

Quem acompanha as desventuras em série de Suzaninha sabe que eu tenho três cachorros. Enfim. Tenho novos vizinhos há uns seis meses. Casal sem filhos. Com três meses reclamaram do barulho dos cachorros. Expliquei, por cima do muro, que a ocasião do ano era terrível, porque as duas cadelas estavam no cio. Mandei o povo canino lá pra frente da casa, botei mordaça no fervor masculino e passaram-se as semanas na paz. Ou, pelo menos, assim eu pensava.

Só que eu moro em Santa Teresa. E em Santa Teresa tem gato saindo pelo ladrão. Na maior parte do tempo eles não incomodam - são tantos que os cachorros nem ligam muito. Quando começa o furdunço por causa de um eu acordo e mando o povo calar a boca e o silêncio recai sobre nosso sacrossanto lar.

Ontem dois gatos começaram a brigar na rua lá pela meia-noite. Cio dantesco. Batalha campal. Gritos de guerra histéricos. Os meus cachorros - e os de toda a vizinhança (meu vizinho de baixo tem um, a mãe dele que mora em frente tem uns três, o vizinho à direita dela tem dois poodles, o da esquerda já perdi a conta de quantos) latiram a noite inteira. Todo mundo entubou porque não tinha jeito - os gatos paravam um tempo e voltavam, mais histéricos ainda.

Quatro da manhã e os vizinhos surtaram. O homem, então, passou a guinchar, urrar e socar o meu muro e as paredes. As meninas acordaram assustadíssimas, chorando e gritando. A mulher dele berrava do lado de lá do muro como se a culpa fosse só minha pelo inferno sonoro.

Tranquei os cachorros na frente da casa. E o homem continuou. Berrou na varanda da frente. Urrou por cima do muro. Socou a parede do quarto das meninas. Assustador. Tanto que os gatos sumiram do mapa. Fez-se um silêncio sepulcral.

Saí hoje de manhã e deixei os cachorros trancados na frente de casa, com medo do que ele possa fazer aos três. Eu moro naquela casa há oito anos. Nunca ninguém reclamou dos cachorros. Eles latem como cachorros latem. Mas o casal escolheu dormir no quarto colado ao muro - então até pesadelos de um dos cachorros acorda os dois.

Estou até agora sem saber o que fazer.

terça-feira, outubro 20, 2009

Hoje

Tem dia que você quer desistir. Mas tem dia que você levanta e diz que esse é um novo dia.

Tem dia que você quer dormir abraçadinho com suas filhas. Comer queijo o dia inteirinho. Enfiar banana na lata de Nescau e acabar com o cacho inteiro. Mandar alguém rasgar os pneus e arranhar com chave o carro do seu ex por ele fazer sua caçula chorar até dormir, soluçando.

Tem dia em que você quer ficar o dia inteirinho vendo televisão. Ou pintar os quartos de verde ou lavanda (se você tivesse dinheiro). Quer dizer na cara daquela velha muito velha que é falta de higiene cuspir na rua. Que você quer os R$ 0,02 de troco que o caixa das Lojas Americanas se recusa a te dar.

Tem dia que você não quer encontrar ninguém (e, obviamente, dá de cara com algum ex-colega de redação). Tem dia que você quer ligar para a Cristiane, para a Dita ou para a Deh, mas não sabe o telefone e, se sabe, não sabe o que dizer.

Tem dia em que você quer passar a tesoura no cabelo. Que você quer dizer que se dane, não gosto de Hélio Oiticica. E estou me lixando que pegou fogo na casa que era dele. E que os artistas que lamentam "a perda de obra tão significativa para o panorama histórico cultural brasileiro" deveriam ter pensado nisso antes de deixar o acervo encostado numa casa caindo aos pedaços (porque eu frequentei aquela casa por anos).

Tem dia que você quer enfiar o dedo na cara daquela mãe e dizer que, se a filhinha dela diz que é classe alta e tem nojo das roupas da minha filha, que ela mude a preciosa de escola pra ficar beeem longe da gentalha, mas magoar minha filhota ela não vai mais, não - ou eu sento a mão na guria.

Tem dia que, sabe?
Pois é. Tem dias assim.

segunda-feira, outubro 19, 2009

...

Gripada.
Muito.
De novo.

*suspiro*

quarta-feira, outubro 14, 2009

Passaporte



Eu me lembro quando eu viajava. Muito. E o meu maior barato não era o destino - claro, sempre é - mas sim a oportunidade de vida. E não estou falando de "alargar horizontes". Estou falando de realizar todos os seus sonhos de infância, as suas fantasias mais loucas, os seus desejos mais doidos de uma existência que você não tem - nem terá.

- Ahn, como vamos viajar umas quatro horas nesse avião apertado, bem... Vou me apresentar: Fulano.
- Oi, eu sou Pilar.
- Nossa, que nome diferente! O que você faz?
- Sou arqueóloga. Egiptóloga, na verdade.

...

- Prazer. Sofia.
- Oi, Sofia. Você está viajando de férias?
- Um pouco. Vou também a trabalho.
- Você faz o quê?
- Sou restauradora de obras de arte.

...

- E eu sou Manuela.
- E você faz o que pra viver?
- Sou ilustradora de livros infantis.

...

- Vôo demorado, não?
- Passa rápido.
- Sou Sicrano. E você é...?
- Isabel.
- De férias?
- Não, estou indo buscar um cavalo para o haras onde trabalho.

...

- Bom viajar, não?
- Eu gosto muito.
- Eu me chamo Beltrano. E você é a...
- Chantal.
- Nome francês, é?
- Nome da minha avó.
- Ah, e você trabalha em que, Chantal?
- Sou bióloga-estagiária no Parque Nacional Kruger. África do Sul. Mas estou de férias, sabe?

Não é o máximo? Reinventar sua vida inteirinha em poucas horas. Não sei se é patológico, se é certo, se é legal ou ilegal. Só sei que sempre me diverti muito - e, muitas vezes, tornou o destino e o objetivo da viagem muito menos doloroso.

Piscadela

Estou me especializando em aguentar uma, duas horas de filme para cochilar nos dez minutos finais - e perder quem é o assassino.

Então; alguém viu "Lie to me" ontem? Alguém pode me dizer quem matou a garota, plizi?

terça-feira, outubro 06, 2009

Quem tem?

Eu não sei nem como falar isso sem soar repetitiva. E eu entendo que são momentos distintos, embora acredite bastante que ainda vivemos sob a "ética" da contracultura. Mas eu não poderia ficar mais incomodada do que eu estou. Com isso da mãe da menina. Que a mãe da menina deixou ela ir na casa do Jack Nicholson com o Roman Polanski. Olha. Se eu aprendi uma coisa estudando feminismo foi isso. Que a tentativa de trazer para o reino doméstico é um truque. E é super perigoso porque às vezes isso acaba nos servindo. E então jogamos também com isso. No reino do doméstico a gente sabe o que existe. É afeto que existe. E quando Gloria Steinem e o pessoal falou que "o privado é público" tava dizendo isso aí. Que temos que tirar da esfera do afeto e colocar na esfera dos valores. Redefinir os valores a partir dessas experiências que eram comuns a várias mulheres e acabavam relegadas a um conflito entre pessoas. Coisa que não é. Ou que também é. Mas não é apenas. Então a gente pode encontrar 500 mil mulheres que afirmam adorar cozinhar, lavar e passar pro marido e pros filhos e ainda assim vale a pena lutar para que ela possa não lavar. E ainda que aborto seja uma decisão pessoal e intransferível, a luta é por valores (como é óbvio nesse caso). Então *o* caminho do feminismo é esse. Pegar tudo do privado e desvelar. Eu não sei se alguém discordaria desse resumo. O que faz principalmente o feminismo? E a resposta ainda é essa, eu acho. Transforma sofrimentos privados em questões que interessam a todos nós. O feminismo é um humanismo. Quem me disse isso foi Naomi Wolf, a primeira vez. E a gente nota mesmo um monte de coisa. Que o espaço doméstico, ainda que seja domínio feminino, é o local onde se acua a mulher. Por ela ser a tal "rainha do lar", é em casa que não pode se defender. Então se a gente tá falando de um problema qualquer. Tipo os salários são menores. Você percebe que a panela não ferve. São menores e as mulheres devem continuar lutando e é mesmo injusto quando elas fazem a mesma função que os homens. Não ferve. Por isso é que mandam a gente pra casa, mesmo quando o assunto é da rua. Porque supostamente a colocam na condição de dona do pedaço. E aí ela tem que responder e dar conta do pedaço. Toda a vez que alguém diz uma coisa do tipo "onde que está a mãe dessa criança?", eu fico ressabiada. Primeiro pelo óbvio. Por que não perguntam cadê o pai? Quando não perguntam cadê o pai e martelam sem parar cadê a mãe. Já sei. Que vem machismo dos bravos. Que vão acuar a mulher no doméstico. Veja que ela deveria estar reinando em casa quando tudo desandou. Foi durante o mandato dela e tal. Mas tem a outra coisa. Que é a tentativa de não deixar o assunto vir pro público. Onde teria que se confrontar com valores e racionalismos e não mais com afeto. E lamento. Aí a gente vê que não querem que o assunto "suba". E ficam dizendo "a menina perdoou o Polanski", "a mãe não deveria ter deixado", "ela nem era mais virgem". E eu não vejo o que eu tenho a ver com isso. Tipo essas três coisas aí. Nenhuma delas é da minha conta. Começa a ser da minha conta naquele momento ali. Que há muitas meninas sendo jogadas em banheiras. E elas realmente não podem se defender. Então nós tentamos fazer isso. De forma bastante rudimentar. Com leis para punir quem as joga nessas banheiras. E com oxigenação da esfera doméstica, para que as meninas tenham coragem de nos contar. Ela teve. E contou pra mãe. E a mãe foi na polícia. E eu acho que assim estamos indo bem. E pá. Tem gente que volta o dedo contra a mãe. Para quê? Pra trancar o assunto em casa? DE NOVO? Foi tão difícil tirá-lo de lá. Eu vejo mulher que apanha do marido. E dá queixa e volta com o cara. E eu não fico tão tensa. Sério. Ela já fez um lance que eu acho fundamental. Ela já falou que apanha. Tenho sempre medo do silêncio. De tudo que acontece e fica trancado. Daí que fico puta da vida dessa tentativa de tentarem trancar a mãe e a menina. Caminho inverso. Tornar privado, o público. Vixê. Mas não entendo MESMO. É caso de polícia, não é caso de família.

Claro que danos subjetivos sempre ficam. Talvez a mãe da menina tenha tido culpa. Eu imagino o quanto ela não ouviu. No meu caso específico, até hoje. Toda vez que eu me lembro, eu penso. Eu deveria ter voltado de táxi. Não voltei. Me fudi. Etc. Meu tio falou. No dia. Também, pq vc não pegou um táxi? Não peguei. E isso não dava autorização nenhuma para me obrigarem a fazer sexo. Era 9 da noite, eu respondo. Mas, né? Nem que fosse as 4 da manhã. Eu não faço sexo se não quero. Se me obrigam, é um crime. Não pode ser tào difícil entender isso. Tem como soletrar mais?


Mary W.

...

Preciso de um advogado - um EXCELENTE - em direito de família.
Alguém conhece algum?

sábado, outubro 03, 2009

Acorda, Brasil!

- Mamãe, mamãe, vai ter Olimpíada no Brasil!
- E a gente vai poder ir, né mãe?
- Claro! Já vou começar a juntar dinheiro para as cerimônias de abertura e de encerramento.
- E a gente vai poder ver tudo lá na frente, né?
- Vai, mas vocês já sabem, né? Vai ter um muuuuundaréu de gente. Todo mundo de mão dada pra não se perder, e pulserinha no punho com telefone e...
- [...]
- Que foi?
- Mãe?
- Mamãe?
- Sabe o que é? Eu vou ter 15 anos...
- ... e eu vou ter 17. A gente vai MESMO precisar andar de mão dada e com pulserinha de nome?

sexta-feira, outubro 02, 2009

...



No dia 17 de novembro de 2007 eu perdi uma pessoa muito querida, a menina que usou bravamente o bagaço de limão que a vida lhe dera e fez dele um banquete onde me fartei generosamente. Carolina, esse era o nome dela. Depois que ela se foi, acompanhei por um tempo sua mãe tentando se reeguer, voltar a viver sem aquela que fora sua companheira por tanto tempo de luta e solidão.

O pai de Carolina foi ausente desde que trouxeram da sala de parto aquela menina com o rosto deformado - sumiu pelo mundo duas horas depois de sair da maternidade; sua mãe, Maria, era "Senhora soberana". Queriam chamá-la também de Anunciação, mas o avô de Carolina não deixou: se é para ter nome duplo que fosse Daniela - "Deus é meu juiz". Maria Daniela era Danusca pra muita gente, inclusive eu, porque ela não gostava de Danny ("Isso é coisa de adolescente; tenho muito cara de velha pra ter gente me chamando de Danny"). Baixinha, era "Troco" para minha irmã, que terminou tomando meu lugar ao lado dela quando eu me mudei para o Rio. Era "Mamili" como Carol gostava de chamá-la, principalmente quando queria alguma coisa ou quando a via irritada com a vida em geral e com as pessoas em particular.

Minha amiga ontem foi dormir e não acordou. Porque no meio de tantas coisas que ficaram da filha estavam os remédios que a ajudavam a suportar a dor - e que minha Danusca usou para debelar o seu próprio sofrimento. Ela jamais conseguiu lidar com a perda daquela que era, no fim das contas, o motor que empurrava sua própria vida. Porque, como minha amiga dizia, "tudo muda quando a gente vê que sua filha sequer pode apreciar um picolé que custa centavos; o que vale o dinheiro, então?"

Danusca deixou tudo arrumado. Separou em vida o que não valia a pena ser guardado. Deixou em caixas separadas o que queria que seus amigos recebessem - porque ela não tinha mais família; sua família éramos nós. Não deixou uma conta sem pagar, todos os recibos organizados, seu enterro acertado.

Maria Daniela e Carol. Eu choro não por causa da vida das duas. Elas se conheceram, e o mundo hoje - meu mundo, pelo menos - é melhor por causa delas. Eu choro porque não consegui me despedir de nenhuma das duas. Porque Danusca não me avisou que ia partir assim. Porque elas foram embora e eu fiquei aqui. Chorando meu egoísmo de querer ter as duas, sempre, ao meu lado.

quinta-feira, outubro 01, 2009

Para sempre Catatau

- Mamãe, já escolhi meu presente de Dia das Crianças!
- Você sabe que eu não dou brinquedo - isso é com Papai Noel.
- Mas não é brinquedo!
- Então... é o DVD novo da Barbie?
- Não.
- O do High School Musical 3.
- Não, não quero nenhum DVD. Nem CD.
- Uma jaqueta nova?
- Não.
- Um gloss da Nívea.
- Não, mãe!
- Hum... Não sei.
- Desiste?
- Desisto.
- Eu quero uma panela de fondue!

terça-feira, setembro 29, 2009

segunda-feira, setembro 28, 2009

Alvorecer



Desde que eu me entendo como gente acordo ouvindo sinos de igreja. Morei até meus 12 anos a dois quarteirões de uma que toca, até hoje, às seis da manhã, ao meio-dia e às seis da tarde - hoje é o que me avisa que está na hora de buscar as meninas na escola. Antigamente tocava também uma badalada somente de hora em hora, mas acho que os padres andaram cortando despesas.

Quando morei no interior de São Paulo a capelinha perto da minha casa todos os dias soava o que mais parecia uma sineta de chamar mordomo. Em Salvador, eu não sei que igreja badalava nessas horas do dia. O vento que soprava da praia da Pituba para dentro do continente trazia o som. Hoje, acordo todos os dias com o campanário da igreja do Bairro de Fátima.

Mas o que eu gosto mesmo são os apitos de navio, daqueles graves, de filme. Soam sem regularidade e não respeitam os horários, como os sinos. É de madrugada, principalmente, que enchem o ar longínquo com aquele "puuuuuuuuuuuuuu!" - sempre duas vezes. Porque não são como os sinos, que adoram sair em bandos, à luz do dia. Os apitos dos navios caminham à noite, aos pares.

quinta-feira, setembro 24, 2009

De folga

Você é uma mãe de família solteira, que trabalha no lar e fora dele, e por acaso tem uma tarde livre. O que você faz?
a) Aproveita para ir ao salão fazer as unhas.
b) Passa a tarde inteira passeando pela cidade, fazendo compras.
c) Derruba três bananeiras caídas por causa do temporal de segunda com uma faca para congelados, corta troncos & folhas & cachos de bananas em pedaços, enche 16 sacos de lixo de cem litros cada e desce com eles, em nove viagens, os 70 degraus da porta da sua casa à rua.
d) Vai pra casa se enrolar num cobertor e ver a reprise de "Felicity".
e) Bota o cinema em dia e arremata a folga com um café caprichado.

...

Minha vida é um tédio.

quarta-feira, setembro 23, 2009

Câmara clara*



Você pode trepar, transar e fazer amor. As duas primeiras requerem apenas conhecimento técnico. Mas a terceira requer algo mais.
Fazer amor é, antes de tudo, conhecer. O jeito de acender o cigarro, a maneira de inclinar a cabeça quando pensa. Os olhos ficam ligeiramente avermelhados quando bate o tesão? Se entrefecham? Há urgência nas mãos? Sim, há de se reparar em todos os detalhes.
Na hora, não se deve pensar muito. É instintivo. Mas também é a maneira de abraçar que faz o coração bater loucamente, sentindo que o desejo cresce e força passagem. As pernas não deixam, prendem o que quer se libertar. Tateia, tenta escapar, encontrar a saída por onde tanto deseja entrar.
Arquear as ancas (sabe o que são as ancas? A parte mais escandalosa, a que mostra à platéia se você está agradando). Passear as mãos pelo corpo, como se procurasse algo, mas feliz por apenas escorregar na pele lisa, sedosa, que se arrepia ao menor toque, seja ele agressivo ou diáfano. E então começa a luta, de uma violência que parece mostrar que ali não há amor, quando amor é o que mais há. "Por favor, não faz isso." Amante é tradutor universal. Isso quer dizer "Vem, eu preciso tanto de você." Escorrega-se, lenta e dolorosamente, para dentro, para um mundo onde minutos podem ser horas e vice-versa. Delicadamente, mas com firmeza. As bocas que se juntam num desencontro que parece não ter fim. Por que não acertam o passo? Porque há mais para acertar. O prazer vem do desacerto, das palavras que não dizem o que querem dizer. Tudo é ao contrário, a dor vira prazer, o prazer é tudo o que há.
As línguas que bebem o suor a escorrer da nuca, a descer pelos ombros. Mãos que buscam embaixo de corpos o que desesperadamente pede para ser tocado – mas que foge ao sentir o toque. Um púbis a escorregar pelas costas, costas a se chocar com pernas. Cabeças a subir por joelhos que não sabem se a ordem é encontro ou separação. Fazer amor é sentir os nós dos dedos dele na palma das mãos, o queixo nas espátulas, o roçar da barba por fazer, o hálito que se procura desesperadamente, como um guia no meio de um nevoeiro.

Fazer amor é, ao final, acariciar sobrancelhas, rosto, mãos. É escutar o ressonar satisfeito, como o de um gato. É ouvir urgência na pergunta: "Aonde você vai?" e tranqüilizar com um "Só beber um copo d'água".

* É por isso, moço.

O que seria



A foto de um menino que Anne Frank chamava de seu "verdadeiro amor" está sendo exibida em Amsterdã, no Museu Anne Frank. A imagem do jovem Peter Schiff foi encontrada no diário escrito por Anne, enquanto ela se escondia na Holanda ocupada pelos nazistas. No ano passado a foto inédita foi doada para o museu. Anne Frank foi uma adolescente judia obrigada a viver escondida dos nazistas durante o Holocausto. Durante mais de dois anos, os Frank moraram em um anexo secreto de uma casa localizada à beira de um canal antes de seu esconderijo ser descoberto e a família enviada para os campos de concentração. "Peter era o menino ideal: alto, magro, bonito, com um rosto sério, sereno e inteligente", escreveu Anne sobre o garoto de 13 anos pelo qual se apaixonou em 1940, quando tinha apenas 11 anos. Peter morreu mais tarde em Auschwitz, e Anne morreu no campo de concentração de Bergen Belsen, em 1945. O diário escrito por Anne Frank é um dos mais famosos símbolos do Holocausto.


Via Images&Visions, o blog sensacional de Fernando Rabelo. Mais informações no site do Anne Frank Museum Amsterdam.

Fotógrafos XIX - Nick Brandt



Lions head to head, Maasai Mara, 2008



Giraffes and dust devil, Amboseli, 2007



Elephant drinking, Amboseli, 2007



Baboons in profile, Amboseli, 2007



Cheetah and cubs lying on rock, Serengeti, 2007



Lionesses crossing lake, Ngorongoro Crater, 2000



Wildebeest Arc, Maasai Mara, 2006



Elephant with exploding dust, Amboseli 2004



Lion before storm IV, Close-up, Maasai Mara, 2006

segunda-feira, setembro 21, 2009

Do outro lado



Esperava o sinal abrir quando vi as duas na calçada oposta. A mãe esguia, linda, pescoço elevando a cabeça rumo ao céu, cabelos presos num coque lustroso. Pernas longas em meias grossas, calçados com mocassins elegantes e baixos. Saia reta, casaquinho de lã, blusa branca impecável, a bolsa de couro de crocodilo pendurada no braço como se contivesse a cabeça de São João Batista.

Dava a mão à filha. Uns dez anos. Vestida de colant rosa, meias rosas, sapatos boneca. Ainda de tutu de ensaio, os cabelos impecavelmente presos num coque debaixo da rede. Bochechas vermelhas pelo exercício, na mão oposta uma bolsinha branca com letras brilhantes: Je suis une ballerine. E no rosto o embaraço de saber o que todo mundo estava pensando e já cochichava na calçada: "Como uma mãe tão linda e esguia tem uma filha tão gorda e desajeitada?"

Gorda. "Se pelo menos a mãe vestisse a menina de preto..." sussurra um cara atrás de mim. "Credo, como saiu assim?" diz a adolescente ao meu lado, ela mesma numa questionável blusa três números abaixo do seu. E todos olham e comentam com o vizinho o contraste das duas.

Sentia-se o frisson no meio-fio. Todos os olhos em cima da menina, que mirava e remexia os sapatos. A mãozinha gorducha apertada na mão da mãe, que se inclina e fala baixo com ela - e instantaneamente a menina empina o queixo, levanta a cabeça e mira o nada à sua frente. O sinal abre e as duas atravessam. E então eu olhei intensamente a mãe, na esperança que ela retribuísse o meu olhar e eu pudesse falar, sem palavras, como sua filha era linda.

Que bobagem. Ela sabia. Ao nos cruzarmos, banhei-me em dois profundos e claros poços de orgulho e amor.

...

Chove, faz frio. Entreguei o último trabalho e estou à espera que entre mais coisa. Meus pais desceram para me ajudar a por minha vida em ordem. O chuveiro elétrico ainda está em curto, mas já consertei a descarga do banheiro.

Meu cabelo hora está lindo, hora está vergonhosamente maltratado. Idem para as minhas unhas. Ando com uma fome gigantesca e um apetite microscópico. Saudade de alguém que anda logo ali, mas que para mim é como se estivesse a caminho de Andrômeda - comunicações viajarão zilhões de anos para ir e outros zilhões para voltar.

Dias chuvosos não combinam com cancerianos. Preciso de sol.

quinta-feira, setembro 17, 2009

Preliminares




No Monte Verità, o homem olha a estátua. O homem é negro e baixo. A estátua é abstrata (um vazio dentro de um círculo) e foi esculpida muito tempo atrás por um escultor chamado Hans Arp.

Monte Verità é o nome de um hotel localizado na parte italiana da Suíça, em Ascona. Nos jardins do Monte Verità, o homem negro se encosta na estátua abstrata. Pousada em seu braço, uma exuberante arara-verde come biscoitos na palma da sua mão. Faz bastante frio e talvez neve, o que não combina com o homem, muito menos com a arara, mas combina com a estátua. [...]

A arara deve ter emigrado da África, não se sabe fugindo de quê. O home também emigrou da África, mais especificamente de Moçambique, fugindo das sucessivas guerras no seu país. Embora formado em Economia, ele trabalha no hotel como garçom. É o que lhe permitiram. Nos sucessivos congressos que se realizam no estabelecimento, diverte-se falando com os hóspedes na língua de cada um deles: italiano, alemão, francês, espanhol, grego, japonês, mandarim, enfim, português.

Em geral, os estrangeiros primeiro se espantam, quando o garçom se dirige a eles na sua língua, e depois se divertem, como se ouvissem aquela arara falar. [...] Agora têm uma boa história para contar em casa.

...

Manuel gostaria de escrever sobre a filha. Na cidade de Maputo, ele trabalhava tanto, para sustentar a família, e estudava tanto, para realizar seu único sonho, que mal a via em casa quando ela era criança.

Depois, a sua esposa morreu.

Depois, ele precisou fugir de repente, minutos antes de poder pegar a menina na escola.

Todo dia, ele se pergunta até que horas ela o ficou esperando na escola, sentada quietinha numa cadeira baixa na sala da diretora. Quem sabe a diretora, penalizada, lhe teria emprestado lápis de cor para desenhar.[...]

Seus pais nunca brigaram ou gritaram com ela. Até que a mãe, primeiro, a abandonou. Na verdade, a vida é que a abandonou: ela foi assassinada dentro da igreja e caiu para trás largando a mão da menina, que não chorou. A menina apenas olhou para o assassino uniformizado. Por alguma razão, talvez por conta desse olhar mesmo, ele não a matou, contentando-se com os vários corpos bem vestidos, roupa de domingo, que deixou estendidos no chão.

Manuel, em casa, aproveitada o silêncio da hora da missa para estudar Economia. O silêncio foi bruscamente interrompido pelo som sincopado dos tiros no quarteirão próximo. Ele levou alguns segundos para se mover porque imediatamente imaginou o que poderia ter acontecido. Quando o fez, correu para a igreja, desabalado e desesperado. No meio do caminho cruzou com os uniformes que, cínicos, sorriram para ele e para os outros que, como ele, procuravam adiante os parentes.

Na igreja, encontrou viva apenas a filha, ajoelhada ao lado do corpo da mãe. No altar, o padre também estava morto. Como contava a sua mulher, rindo, ele era um padre cético, cheio de dúvidas sobre Deus e sobre a sua vocação. Agora, ele não tinha mais dúvidas, era apenas um padre morto.

Manuel, não sabe como, conseguiu passar por cima dos demais corpos para cair de joelhos e abraçar a menina. Com os olhos secos, ela o olhou e disse, calma: "Papai, Deus chegou atrasado."

Gustavo Bernardo, "Monte Verità"
Editora Rocco, 2009

Tempos modernos

Às vezes quero acreditar que a felicidade está logo ali mas, rapaz, tá difícil. Não consigo ficar tempo suficiente acordada para vê-la passar. Nem que ela bata duas vezes na minha porta. Se eu parar para atender as meninas se atrasam, perdemos o ônibus e elas ficam retidas até as 8h30m.

Reclamo demais. "Bom-dia, vim trocar essa blusa que está manchada". "A senhora deixou de molho?" "Claro, é uma camiseta de criança." "Não podia deixar de molho." "Na etiqueta não diz nada disso". "Mas todo mundo sabe." "Eu sou limítrofe. Pra mim tem que escrever e, se possível, desenhar esquema colorido." "Minha senhora, a indústria da moda não pode se basear em pessoas com deficiências mentais [sic] na hora de fazer as etiquetas, não é?"
Ela não entendeu a ironia. Nem eu escrevendo e desenhando esquema colorido.

Catatau não quer mais ir à escola. "Por que, filha?" "Ah, mãe, não gosto de briga. E todo dia tem briga." E se você pensa que é naquele esquema de "sua chata, feia & bacalhuda"... quem me dera. "Você é uma piranha, e sua mãe também é." "Se eu sou piranha, você é puta, mesmo." "Hahahaha, olhalá o fulano, gay! Gay! Gay!" "Eu não sou gay!" "Hahahahahahaha, gay! Vai esfregar a bunda no muro, hahahahahaha!"
Some-se a isso cenas de pugilato, um menino esbofeteando uma menina, a mesma criturinha sendo salva pela professora de ser esganada por um cordão de sapato, duas meninas se matando e, ao serem apartadas, surrarem a agente educacional e verão o resultado da Semana Antibullying que a escola promoveu - apenas para alunos do Ensino Médio. "Para os menores não precisa; essas briguinhas são coisa de criança!", disse a débil mental que me avisou que o guri descrito no post abaixo "tem problemas, pobrezinho."

Príncipe, tô te esperando, cê num vem? Já mandei pro espaço essa coisa de mulher liberada. Não vou me importar de ser sustentada, paparicada e admirada. Juro. Levo assim numa boa, sem reclamar.

terça-feira, setembro 15, 2009

A fazer

Consertar a descarga do banheiro (que está vazando decalitros de água)

Consertar o chuveiro (que está dando curto e soltando tanta fumaça e lá em cima tá um frio miserável)

Passar pelo menos um dos três baldes de roupa

Levar Zé Colméia à psicopedagoga

Levar Zé Colméia para fazer o ultrassom dos olhos

Comparecer à reunião com a coordenadora pedagógica à procura da resposta à minha reles questã-enquanto-mãe-que-não-é-profissional-de-educação: se minha filha mais velha foi suspensa porque, ao tentar se desvencilhar da agente educacional (aka inspetora do pátio), empurrou a mulher no chão e machucou-a seriamente (mesmo sem a intenção de), por que o garoto da sala da Catatau que literalmente surrou a professora com chutes e socos ao não ter sua vontade atendida continua a desfrutar da companhia das outras crianças civilizadas?
Resposta da direção: "Ele tem problemas, pobrezinho."

Costurar as lantejoulas da roupa da Catatau para a apresentação amanhã de ginástica

Estudar com Zé Colméia para a segunda chamada de português amanhã (eu vou ter que ler pra ela, pois ela vai dilatar a cupila)

Passar no supermercado

Encomendar ração para os cachorros

Encapar os livros do Clubinho de Leitura das meninas (top to do: atraso de três semanas)

Esqueci alguma coisa da lista de hoje?
Ah, sim.
Trabalhar.

Depois meus pais não fazem idéia por que motivo eu pedi um escravinho de aniversário.

sexta-feira, setembro 11, 2009

Eu confesso...

Que ando tão cansada, mas tão cansada - principalmente a cabeça e não o corpo - que preciso tomar, assim que chego em casa, uma latinha de Red Bull (é, agora tenho sempre na geladeira) pra aguentar o suficiente para botar as meninas na cama, arrumar as coisas para o dia seguinte e desmaiar às 22h - e só recobrar a consciência às 5h30m do dia seguinte.

quinta-feira, setembro 10, 2009

...

Quando a escola das meninas suspendeu as aulas por conta da suspeita de gripe suína, as meninas ficaram doentes logo depois. Febre muito alta, dor de garganta e no corpo. Bom. Pânico mode on. Elas se recuperaram bem, mas mesmo assim fizemos exame de sangue (40 dias pra sair o resultado). E desde então eu sou a maníaca-de-gel-na-bolsa - principalmente porque, como eu não tive nada, posso ser portadora.

Mas eis que Zé Colméia começa a ver mosquinhas. Pontos pretos no campo de visão. Hoje levei-a para fazer a revisão médica da gripe suína-ou-não e depois, consulta no oftalmologista. Ele se surpreendeu, porque essas "mosquinhas" costumam somente aparecer com pessoas de idade avançada. Segundo ele, é benigno, provocado por estresse. Dos brabos.

Na semana que vem ela vai fazer uma tomografia a laser (tá se achando o máximo porque vai sair de óculos escuros) e só então ele vai dar o diagnóstico final. Eu olho pra minha menina que tem a péssima mania de guardar tudo dentro de si - as decepções com o pai relapso, as decepções com a mãe sempre cansada e ocupada, os temores na escola que desde sempre a rotularam como uma criança "difícil". E então eu a abraço e aperto bastante, torcendo para que isso dê a ela, ao menos, a ilusão que o mundo feio e malvado jamais a alcançará.

quarta-feira, setembro 09, 2009

Wagner & Beethoven















O cânone da Música Erudita Ocidental é pequeno demais para nós dois, cara.

E por falar em Polônia

À leitora de Mountain View, California.
Comente. Não se acanhe.
Obrigada pela preferência.
Volte sempre.

Pronto. Você espantou a criatura. Nunca mais ela volta, coitada.

sexta-feira, setembro 04, 2009

Selos não incluídos


Eu gosto de escrever cartas. Longas cartas, em que da descrição do caminho que fiz até aqui enveredo por lembranças de quando minha avó era viva, do cheiro da grama cortada e dos pinheiros que me lembrava o exato momento em que entrávamos em Teresópolis, e como nós nos conhecemos. Escrever uma carta é um exercício da memória, em que normalmente tudo o que é de bom aparece, porque nos recusamos a perder tempo escrevendo tudo o que é de mau - pra isso, existe o telefone.

A persistência da memória (expressão que eu adoro usar, e que aprendi com Carl Sagan) é uma coisa útil, porque sempre nos cutuca quando andamos pela rua; quando estamos preparando às pressas o café-com-leite de manhã e ao lermos no jornal que a última loja da Virgin fechou. Eu adoro passar na porta do quartel do Corpo de Bombeiros porque sempre me lembro do meu avô dizendo como as pessoas engolem o "s" dos Bombeiros e dos Correios ("e é TelégrafO, sem s, porque os correios são muitos mas o telégrafo é um só.")

Eu aprecio cada dia mais o amanhecer, porque é outono e esta é uma das minhas estações prediletas - perdendo só para a primavera, mas as duas não precisam brigar: gosto de ambas porque o céu é sempre mais azul, as manhãs mais frias e as noites mais acolhedoras.

Viu? Já viajei num montão de coisas, só para dizer a você que eu gosto de escrever cartas. Quase sempre uso papel, mas cada vez menos. Porque as pessoas não tem a menor noção do que seja uma carta. Não é o tempo perdido de sentar e escrever à mão, dedos doídos pela caneta, a letra meio torta pelo costume do computador. É o tempo ganho pensando em alguém, lembrando de alguém, perguntando por alguém. E, como as pessoas não entendem, elas respondem por e-mail. Ou, pior, perguntam por que a gente não usa MSN.

Heresia.

Eu tenho muitas cartas escritas e não enviadas. Essa, felizmente, eu tive coragem de mandar.

quinta-feira, setembro 03, 2009

Świat

Uma das coisas que eu mais aprecio tendo um blog é saber que gente de outros países entra aqui e lê sobre minha vidinha sem graça no alto do morro. Pois ontem alguém da Polônia ficou meia hora andando por este Breviário. E não olhou só as gravuras e os esquemas de frutas; botou este que ocupa a vossa tela no translate do Google e leu o que eu escrevi em polonês .

Moja wdzięczność dla Ciebie.

Batendo latinha

Fim da quarentena.
Quase que eu saio só com uma flor no umbigo gritando "Liberdade" pela rua.
Quase.

terça-feira, setembro 01, 2009

Giz apagador

Como Zé Colméia (com a suspensão das aulas da turma dela) levara todos os livros para casa, obviamente acabou esquecendo alguns na escola. Pegamos o que faltava e quando chegou em casa foi direto fazer o dever no livro de Geografia, abandonado no armário do colégio. Já bêbada de sono, miou um "Corrige pra mim, mãe" e foi dormir.

E eu fui lá ver. E fiquei horrorizada, chocada. Eu tento acompanhar os deveres mas - tolinha que sou - com duas professoras regentes de manhã e uma à tarde achei que bastaria ficar em cima pra ela não esquecer de fazer as chamadas APs (avaliações periódicas) que vão para casa na segunda e devem ser entregues uma semana depois (os deveres de casa são feitos durante o estudo dirigido, à tarde), além de auxiliar nas eventuais pesquisas.

Pois bem. O livro é um festival de frases sem sentido nenhum ("Os produtos de Minas Gerais são mais caros do que os de São Paulo porque são mais caros"); erros recorrentes de português ("estensão", mas/mais, "menas"), letras faltando no meio de palavras, inexistência de pontuação - e por aí vai.

O que me deixou mais abismada é que ela passa por TRÊS professoras - três. Que corrijem e dão como certo essas barbaridades. E depois me dizem que eu tenho que fiscalizar os deveres. E TAMBÉM dar uma corrigida básica. E FAZER os deveres com ela - depois das 19h30m, que é quando chegamos em casa.

Ontem de tarde li esse post da Aline. Acompanho diariamente as agruras da Deh em sua inglória luta pelo ensino público. E penso nos R$ 2260 que pago por mês à escola. Na professora da Zé Colméia me dizendo, no meio da festa junina que encerrou o semestre passado, que "ela está perigando repetir de ano" - isso antes de a psicopedagoga sequer ter dado o laudo e, pior, na frente da minha filha.

E sinto uma vontade incontrolável de ir lá e enfiar a mão na cara das três.

segunda-feira, agosto 31, 2009

Lullaby



No início, o novo proprietário finge que jamais olhou para o chão da sala. Não chegou a olhar de verdade. Não da primeira vez que eles examinaram a casa. [...] Então, na primeira manhã, descem, e lá estão as letras rabiscadas no assoalho de carvalho branco:

SAIAM

Alguns dos novos proprietários fingem que aquilo foi uma brincadeira feita por um amigo.[...] Duas noites depois, um bebê começa a chorar dentro da parede norte do quarto principal.
Geralmente é então que eles ligam.
Mas nossa heroína, Helen Hoover Boyle, não quer saber desse novo proprietário ao telefone esta manhã.

Nem desses gemidos e dessa gagueira.

Ela quer mais uma xícara de café e uma palavra de oito letras para "ave". Quer ouvir o que está acontecendo no aparelho de capta a frequência policial do rádio. [...] Assassinatos, suicídios, assassinos compulsivos, overdoses acidentais, não dá para esperar a coisa sair na primeira página do jornal. [...]

É claro, a mensagem apareceu no chão da sala. O estranho é que o bebê só costuma começar a chorar na terceira noite. [...] Se os proprietários ainda resistirem, dali a uma semana estarão ligando para falar a respeito de um rosto que surge refletido na água quando se enche a banheira. Um rosto inchado, cheio de rugas, com dois buracos escuros no lugar dos olhos.

[...] O número 325 de Crestwood Terrace não é uma casa ruim: estilo Tudor, com telhado novo, quatro quartos, três banheiros, um lavabo e uma piscina. Nossa heroína nem precisa consultar a ficha. Vendeu a casa seis vezes nos últimos dois anos.

Uma outra casa em Eton Court, no estilo da Nova Inglaterra: seis quartos, quatro banheiros, vestíbulo revestido em pinho e sangue escorrendo pelas paredes da cozinha. Helen vendeu essa casa oito vezes nos últimos quatro anos. [...]

Dentro de uma hora, ela precisa estar mostrando uma casa em estilo Queen Anne, com cinco quartos, apartamento para a sogra, duas lareiras a gás e o rosto de uma suicida morta por barbitúricos que aparece tarde da noite no espelho da penteadeira. Depois disso, há o rancho com piso em vários níveis; aquecimento, alcova rebaixada e a recorrente aparição dos tiros fantasmagóricos de um homicídio ocorrido há mais de uma década. [...]

- Preciso que você dê uma passada no número... 4673 de Willmont Place. Estilo colonial holandês, quatro quartos, dois banheiros e um homicídio com agravantes. [...] É só fazer o de sempre - diz Helen, escrevendo o endereço num cartão e estendendo-o para [Mona, sua secretária]. - Não tente decifrar nada. Nada de queimar salvas. Não exorcise porra nenhuma.

Mona pega o cartão:
- É só conferir as vibrações?

Helen corta o ar com a mão:
- Não quero ninguém adentrando túneis em direção a uma luz brilhante. Quero que esses monstrinhos fiquem aqui mesmo, neste plano astral, obrigada. [...] Eles têm a eternidade inteira para ficarem mortos. Podem muito bem continuar naquela casa por mais cinquenta anos, chacoalhando correntes. [...] O que você sentiu naquela casa em estilo espanhol ontem?

Mona revira os olhos [...]: - Decididamente há uma energia ali. Uma presença sutil. Mas a planta arquitetônica é maravilhosa.

Nossa heroína diz:
- Caguei para a planta arquitetônica.

[...] O bangalô da rua Elm 521 tem quatro quartos, encanamento original e gritos no sótão. A casa estilo normando francês, no número 7645 de Weston Heights, tem janelas arqueadas, despensa para o mordomo, portas de vidro e um corpo com facadas múltiplas que aparece no corredor do andar superior. [...]

Os corretores as chamam de casas perturbadas. Eram casas que jamais eram vendidas, pois ninguém gostava de vendê-las. [...] Ou então eram casas que eram vendidas e revendidas a cada seis meses porque ninguém conseguia morar nelas. [...] Essa era Helen Hoover Boyle. Nossa heroína. [...] Esse era apenas mais um dia na sua vida. Esse era o estilo de vida dela antes que eu aparecesse. Talvez esta seja uma história de amor, talvez não. [...] Isto é sobre Helen Hoover Boyle.[...]

- Bill Burrows? Você precisa colocar a Emily na extensão, pois encontrei o lar perfeito para vocês dois. Pelo que entendi, os proprietários estão altamente motivados a vender.


Chuck Palahniuk, "Canção de ninar"
Editora Rocco, 2002


Uma palavra: sen-sa-ci-o-nal.

Sala da Justiça

Você sabe que é mãe quando:

- Faz o café da manhã, arruma o cabelo das filhas, troca a água do cachorro e se veste - tudo ao mesmo tempo.

- Faz um sari de cetim charmeuse costurando a mão (incluindo 8 colchetes) em duas horas (porque foi o tempo que durou "Bolt") e todo mundo na festa pergunta [orgulhobesta] "Onde você achou esse sari leeeendo? É importado, né?" [/orgulhobesta]

- Arranja uma fantasia de princesa absolutamente deslumbrante & barata andando pelo centro da cidade às nove da manhã de sábado - porque a fantasia antiga da caçula de oito anos a faz parecer "Miss Suéter Molhado" - e sua filha diz "É mais bonita que as da Barbie!"

BlogDay 2009



O que é o BlogDay?
BlogDay foi criado na convicção de que os bloggers deverão ter um dia dedicado ao conhecimento de novos blogs, de outros países ou áreas de interesse. Nesse dia os bloggers recomendarão novos blogs aos seus visitantes.

O que acontecerá no BlogDay?
Durante o dia 31 de Agosto, bloggers de todo o mundo farão um post a recomendar a visita a novos blogs, de preferência, blogs de cultura, pontos de vista ou atitude diferentes do seu próprio blog. Nesse dia, os leitores de blogs poderão navegar e descobrir blogs desconhecidos, celebrando a descoberta de novas pessoas e novos bloggers.

BlogDay instruções:

1. Liste cinco novos blogs que você ache interessantes.
2. Escreva uma breve descrição dos blogs indicados e adicione o respectivo link.
3. Notifique por email esses cinco bloggers de que serão recomendados por você no BlogDay 2009.
4. Publique no BlogDay (no dia 31 de Agosto) esse post.
5. Junte a tag do BlogDay usando este link:
http://technorati.com/tag/blogday2009 e um link para o site do BlogDay: http://www.blogday.org



1. Viaje a la guerra: conheci pesquisando para um trabalho num site de notícias. Quer saber o que está acontecendo (sem filtro) em áreas de conflito pelo planeta? Hernán Zin conta (e fotografa).

2. Bookslut: Livros, livros, livros. E mais livros.

3. Art Deco: uma seleção mara, preciosidades idem, bom gosto de sobra. Fotos antigas, capas de revistas, ilustrações. Mariana celebra a Era do Jazz como ninguém.

4. Bibliodissey: Antiguidades literárias, ilustrações vintage, mapas-mundi, catálogos. É homem e eu casava. Juro.

5. Bitaites: Marco escreve tão bem, mas tão bem que só indo lá pra ver (e olha que eu não estou falando nada das fotos, nem dos posts sobre astronomia...)

O texto de abertura roubei da Naomi, porque preguiça é universal - e uma vergonha, principalmente porque eu estou lá na lista dela - link indireto é muito bão, viu?

quinta-feira, agosto 27, 2009

Tô dizeno...

"ChantalPorter (Porter505) is now following your tweets on Twitter."

Chantal who?

Ninguém acredita

As meninas ontem trouxeram uma circular na mochila comunicando o primeiro caso de suspeita de gripe suína na escola. Aí, quando digo que parece que eu fiz striptease em cima da mesa da Santa Ceia, ninguém leva fé: a criança é da turma da Zé Colméia. E a irmã dela (obviamente também entrou na quarentena) é colega de sala da Catatau.

E então as duas turmas (e só elas, dentre todas as do colégio) ficarão sem aulas até o dia 3 de setembro.

Já recebi o telefonema do meu contato dizendo que meu passaporte (oi, Cirlene Gerusa Batista, prazer) - já tá pronto. Agora só falta a peruca loura.

quarta-feira, agosto 26, 2009

Vésperas

Cris: cruzes!
esse xarope deve ser o ó!!!

eu: É sim, desce queimando! A gente tosse só de tomar, mas parece que derrete tudo lá por dentro.

Cris: é vc nessa fotinha?

eu: Sim, sou eu. Que tal? Tirei aí em Nikiti, no Parque da Cidade. Láááá em cima.

Cris: linda!

eu: Né não? Quando eu crescer vou ser rica e comprar uma casa em Santa Rosa.

Cris: uai, e precisa ficar rica? muda pra cá, oras...

eu: Ah, preciso sim. Porque eu quero A CASA em Santa Rosa.
Entende?

Cris: vc sempre querendo o ideal...

eu: É, eu sei... :(

Cris: por isso não gosto de platão...

eu: Nem eu. Uma mala sem alça.

Cris: ahuahauhauhauahuhaua!

eu: Puxa, eu estava falando sério. Discutindo filosofia de uma maneira mais leve, mais Mundo de Sofia.
Magoou...

Cris: platão mala se alça foi tudo...

.....

Cris: já encomendei um livro pela amazon. "Wittgenstein: the duty of the genius"
papi me deu dim dim

eu: Uia! Cris tá rica!

Cris: (assim ce vai pensar que eu trabalho na zona)

eu: E ainda inventa presente do papai!

Cris: esse comentário aí em cima foi pra outra janela
a lerda aqui esqueceu de mudar
KKKKKKKKKKKKKKK!

eu: Puxa, não sou exclusiva aí na sua tela?
Que decepção...

Cris: tem uma amiga de fortaleza que sempre aparece nessa hora

eu: Sei. Amiga de Fortaleza. Tá.

Cris: eu tô dizendo pra ela que tá na hora de eu ir dar banho na perseguida pra ir trabalhar
(mas eu não trabalho na zona)
ué, quem haveria de ser?

eu: Num sei. Eu que vou saber? O marido ausente e coisa e tal... E o Demian chegando, e coisa e tal... O garoto é uma gracinha, e coisa e tal... E você agora diz que vai banhar a perseguida, e coisa e tal...

Cris: o pedro é GAY!!!
uma pena, mas é...

eu: So...?

Cris: conheci o puto em sampa

eu: Tá morto, por acaso?

Cris: ahuahauhauahuauaa!

.....

eu: Comigo tudo indo. Quando o nível de problema alcança aqueles níveis insuportáveis eu começo a sublimar...

Cris: haja jack bauer...

eu: Sou mala mas você me ama, eu sei...

Cris: aliás, que inveja.

eu: Por que inveja?

Cris: eu não consegui comprar a rolling stone

eu: Te empresto.

Cris: dei uma olhada rapidinha na revista de um aluno

eu: Tá cheia de spoilers.

Cristiane: nem ligo. (...) o gui quer ter toda a coleção de dvds
só se eu vender um rim
ou o corpinho, que é bem melhor, convenhamos

eu: (...) Eu baixei tudo de Journey, Aerosmith, Sly and the Family Stone, Eric Clapton, High School Musical, The Cheetah Girls... Sem falar nos episódios e longas...
Dá pra ver o quanto eu estou trabalhando...

Cris: tô vendo
surtou?

eu: Como assim, surtou? Quer dizer, além do normal?

Cris: é, além do normal

eu: Tô cansada, Cris. Minha vontade é só bundear. Até minha pequena já aprendeu esse termo. Bundear. Tão anos 70!

Cris: bundear é ótemo
guerreiras também descansam, babe

eu: Não é? Quando eu falei ela perguntou o que era isso. Eu disse: "Ah, filha, bundear é levar a sua bunda da cama pra mesa, da mesa pro sofá, do sofá pra cama de novo... Só quem trabalha é a sua bunda, levantando e sentando e deitando em qualquer lugar da casa. A gente faz isso quando o resto está com preguiça; aí só a bunda trabalha." Ela rachou de tanto rir...

Cris: muito boa definição...
:)
ó, agora a doentinha aqui precisa papar
otília acabou de me chamar

eu: Antes do meio-dia? É ruim quando a terceira idade chega, né?
Vai lá, D. Crisoldina.

Cris: muito.
daqui a pouco vou precisar de alguém pra me levar pro banho de sol.
só que hoje tá chovendo!!!!!
kkkkkkkkkkkkkkkkk!
a gente precisa se falar mais.
você some, desaparece. e eu ainda tô te devendo um chocolate.
aliás, eu não, o coelho. foi ele que inventou aquilo.
depois a gente se fala mais. beijo!

eu: Chovendo? Aqui tá um sol de rachar!

Cris: aqui tá caindo o mó toró!

eu: Vou lá na janela ver.
Holy crap! Niterói sumiu!!!

Às vezes a gente precisa ser lembrada de que já teve um ótimo humor. Que já se divertiu com tão pouco. E que há amizades que estão tão pertinho da gente.

Beijos e obrigada, Cris. Eu estava mesmo precisando disso.

Por que será

Gente estranha e muito esquisita que me adiciona segue no Twitter.
Eu, hein.

terça-feira, agosto 25, 2009

Fotógrafos XVIII - Gerda Taro



Two Republican soldiers with a soldier on a stretcher, Navacerrada Pass, Segovia front, Spain - Late May–early June 1937



Republican dinamiteros, Carabanchel neighborhood of Madrid, Spain, June 1937



The Republican soldiers at Segovia front in Spain, July 1936



Republican militiawoman training on the beach outside Barcelona, Spain, August 1936



Air raid victim in hospital, Valencia, Spain, May 1937



Gerda Taro, Guadalajara front, Spain, July 1937, photographer unknow

Ela só tinha 27 anos quando morreu. Gerda decidira voltar ao front de Batalha em Brunete (uma das mais terríveis da Guerra Civil Espanhola), onde assistiu aos terríveis bombardeios da aviação nacional. Tirou ainda milhares de fotos. O comboio, voltando da frente de batalha (Gerda viajando no estribo do carro do General Walter, membro das Brigadas Internacionais), de repente foi atacado por aviões inimigos que lançaram bombas em rasantes sobre os caminhões e metralhavam quem se movesse no chão, fazendo com que os carros e caminhões começassem a manobrar desordenadamente. Acidentalmente, um tanque republicano acabou por atingir Gerda Taro, derrubando-a do carro e atropelando-a. Ela morreria no dia seguinte - 26 de julho de 1937, a seis dias de completar 27 anos.

Ela e Andre Friedman, um judeu húngaro que tentava ganhar a vida como fotógrafo, criaram a figura mítica de Robert Capa, o intrépido fotógrafo americano. Venderam a publicações centenas de fotos da autoria de ambos, sob a assinatura de Capa. Não são poucos os que dizem que a famosa imagem do miliciano sendo baleado na cabeça é dela, e não de Andre Friedman (que tomou o pseudônimo criado por ambos depois que ela morreu). Ele alcançou a glória na história do fotojornalismo; ela é citada em matérias sobre ele como "a companheira de Capa que morreu jovem".

segunda-feira, agosto 24, 2009

Desencaixe II

UPDATE: Agradeço a força. E sim, eu me amo e me quero bem. Mas, como ser humana, tenho meus dias bons e ruins, quando estou cansada, estressada e lesionada, e me lembro dos tempos em que a única coisa que eu tinha com que me preocupar era se eu chegaria a tempo pra pegar as peças boas na liquidação da Yes, Brazil, ou se ia dar praia no sábado - e como estudar pra prova de citologia se domingo tinha A festa. Eu posso ter odiado minha vida até hoje (o que não é o caso) mas não trocaria nada - nem mesmo a possibilidade de eliminar meu ex antes de ele se tornar marido - pela existência das minhas filhas.

E Anônimo: eu não gosto de comentários anônimos - por favor, identifique-se.

Sai fora

Tem dias em que eu estou com um mau humor apocalíptico (como hoje, com Zé Colméia em casa, depois de o pai levá-la ao jogo do Vasco meia hora depois de ela desmaiar - de fome e gripe - na porta do Maracanã). E nesses dias... bom, Deus (ou o diabo) ajude a humanidade. Porque nada mais irritante do que isso:

- Por favor, gostaria de falar com fulano.
- Quem deseja?
- É Suzana.
- Suzana de onde?

"De Vênus."
"Da esquina."
"Do blog 'Ex-maridos devem morrer castrados'" (uso variantes dessas quando ligo pra redação do dito cujo. E AMO porque o boy entra da brincadeira e berra "Fulano, a editora do blog "Ex-maridos devem morrer castrados" pra você!!!)
"Do site 'Mundo da progesterona'."
"Da revista 'Secretinas intrometidas'" (essa eu mando só quando a secretária é cretina & intrometida).
"Do outro lado da linha telefônica."

sexta-feira, agosto 21, 2009

Desencaixe



Eu não sei o momento exato em que o interior se descolou do exterior. Claro, sempre tem aquela conversinha inútil e fútil do tipo "Mas eu não me sinto com 30/40/50/60 anos!" Mas em algum momento da minha vida passei a viver dois tempos, duas cronologias.

Eu tenho me olhando no espelho de maneira muito cruel, ultimamente. Já fui mais camarada - me lembro como me surpreendi ao me ver extremamente brilhante e bela, os cabelos revoltos, despenteados, a boca muito vermelha de lábios inchados, as maçãs do rosto parecendo cetim rosa depois de ter feito amor durante a madrugada. Hoje, saio do banho e vejo, enrolada na toalha, uma mulher de 43 anos, cabelos compridos e avermelhados, pele branca não tão imaculada como já foi um dia; as rugas se acumulando ao redor dos olhos, mesmo quando não estou sorrindo. O pescoço que já mostra que não será firme por muito tempo, o colo marcado por eu gostar de dormir de lado e não como uma múmia em seu sarcófago, como mandam as revistas mulherzinhas.

Mas o que me dá mais tristeza são minhas mãos. Eu olho as de Zé Colméia e vejo as minhas mãos de 20 anos atrás. Sem as veias saltadas, sem os dedos que começam a engrossar e denunciar a artrite que grassa na minha família e hoje deforma as mãos de minha mãe. Meus dedos continuam longos, mas sem a graça de antigamente.

E eu me pego na rua pensando nos meus 18 anos. Para mim foram ontem; o mundo me diz que já se passaram 25 anos - uma vida, uma geração. Olho para homens que me interessariam, e eles passam sem virar o rosto, porque eu não os interesso. Sou mãe, e como tal, assexuada. Não-desejável.

O eu-de-dentro ainda espera a chance de fazer tudo o que planejou um dia. Sentou e pacientemente aguarda os dias em que poderá, como sempre fez, dormir e acordar sem horário fixo. Comer o que quiser, tomar sol o quanto quiser. Nem chegou à metade da vida. Poderá trocar de namorado quanto tiver vontade, ou entregar-se sem reservas àquele que estará com ela nos próximos 80 anos.

Mas o eu-de-fora não tem mais pela frente 80 anos para viver. E, o que é pior, não se conforma por ter se adiantado na estrada enquanto a outra, roupas descoladas, dinheiro no bolso, pele sem marcas e a vida pela frente, continua querendo diversão - e mantendo-se ainda com esperança inabalável de que ela, finalmente, chegará.