terça-feira, março 10, 2009

Inexorável



Zé Colméia é teimosa. Muitas vezes, quer porque quer mudar o que não pode ser mudado. Quando quebra alguma coisa, nem sonha que a coisa não voltará a ser como antes de quebrada. Insiste, por exemplo, que o sol deve nascer mais cedo. Ou então, faz de tudo para mudar alguém, em vez de aceitá-la como ela é. Aceitar; essa palavra não existe no dicionário dela. Então, eu conto a ela uma história. Nada sobre formigas ou flores, nem tampouco elefantes cinzas que querem ser quadriculados ou a lua que não quer mais trabalhar à noite. Não, eu conto a história (real) da Bebel:

Bebel era uma moça inteligente, talentosa, bonita, alegre. Tinha um marido (importado) apaixonado por ela e um emprego muito fascinante, num hotel muito famoso - tão famoso que era conhecido no mundo todo! Reis e rainhas se hospedavam lá, assim como estrelas do rock e atores de nariz em pé.

Enfim. Bebel era quase feliz. "Quase" porque Bebel tinha uma grande mágoa: sempre que tiravam uma foto do grupo de funcionários, ela não aparecia no retrato. Porque, você sabe, Bebel era pequena. Baixinha - ou, como gostava de dizer, petite, mignon. E seus colegas eram mulheres voluptuosas, e os homens todos muito alto e corpulentos. E quando vinha a foto, cadê Bebel? Um cotovelo aqui, o topo de uma cabeça acolá.

Então convidaram um jornalista famoso para escrever um livro sobre a história do hotel - que, além de ser mais famoso do que o jornalista, era muito mais velho também. O livro traria uma foto de toda a equipe do hotel - e Bebel achou ali a sua grande oportunidade! Passou meses falando que, quando fossem bater o retrato, ELA estaria na frente, na primeira fila, bem no meio do grupo! Todo mundo prometeu: o miolo da primeira fila seria dela.

Na véspera da foto, Bebel comprou roupa e sapatos novos. No dia, fez cabelo e maquiagem. Na hora da foto lá estava ela, no centro da primeira fila, de corte de cabelo novo e argolas de ouro refletindo a luz que vinha da piscina do hotel. Correndinho, ainda foi lá olhar no visor da máquina do fotógrafo. Sim! Ela estava lá, bem na frente, bem nítida, bem visível! Finalmente, ela apareceria numa foto pra todo mundo ver!

E o livro ficou pronto. A festa de lançamento foi fenomenal. A nata da sociedade brasileira. Palmas das mãos suando, Bebel pega o livro e o abre, para ver a sua foto. Sim, ali está Bebel. Podemos reconhecer as argolas de ouro - uma na página da esquerda, a outra na página da direita, e Bebel sumida na dobra do livro.

2 comentários:

Colafina disse...

Aceitar, irmã siamesa de tolerar!
O amadurecimento, que a idade traz consigo, é um dos remédios que abrandam a intolerância. Há outros, e a maioria deles passa pela dor.
O tempo tem sido meu remédio.

lola aronovich disse...

Uma ótima parábola. Posso chamar assim? Alegoria, então? Fábula, só se Bebel fosse um bicho falante. Mas, sério, gostei muito. E da foto tb.