segunda-feira, abril 27, 2009

As tiranias da intimidade



Para entendermos por que O declínio do homem público já se tornou uma espécie de clássico da sociologia contemporânea, basta olharmos à nossa volta. Basta ver que um país com o Brasil tem, por exemplo, muito mais poetas do que leitores de poesia. Do advogado ao médico, à dona-de-casa e até ao cineasta, passando, é claro, pela atriz, todos escrevem - e empurram-nos - seus poeminhas. Por que será que é mais fácil escrever poesia do que ler poesia, fazer arte do que ver arte - paradoxo que só pode implicar rebaixamento de qualidade? É que no mundo do "eu me amo", do narcisismo desvairado, a privatização da existência assumiu proporções tais que o eu constantemente invade o já tão depauperado espaço do outro. Ser outro hoje em dia é duro, nesse bulevar de vitrines do ego.

Muito justamente, Richard Sennett se cansou dessa mania de jogarem o coração - sangrando ou não - sobre a mesa. Para ele, os principais males da sociedade, do narcisismo clínico à apatia política, resultam no declínio da vida pública, uma vez que as pessoas só podem ser sociabilizáveis quando possuem algum resguardo uma das outras. Ou seja, para que haja interação eficaz entre elas, são imprescindíveis algumas formas ritualísticas de comportamento, tais como as que havia no século XVIII, onde, efetivamente, existia um equilíbrio entre a geografia pública e privada.

Cobrindo mais de duzentos anos de história cultural, política e social, e englobando a moda, os escritos de Diderot e Balzac, os estilos de Liszt e Paganini (e as respostas de suas audiências), o comportamento das massas revolucionárias, o caso Dreyfus e a carreira de Richard Nixon, O declínio do homem público concentra-se precisamente as razões pelas quais, a partir de um dado momento, aquele equilíbrio - no fim das contas tão necessário à nossa sobrevivência psíquica - deixou de existir.

Richard Sennett, "O declínio do homem público" (orelhas)
Companhia das Letra, 1989


Um livro sen-sa-ci-o-nal, esgotado (claro) que você acha em sebos por preços variando entre R$ 95 a R$ 250. Não empresto o meu nem pra Jesus se atualizar.

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