sexta-feira, setembro 04, 2009

Selos não incluídos


Eu gosto de escrever cartas. Longas cartas, em que da descrição do caminho que fiz até aqui enveredo por lembranças de quando minha avó era viva, do cheiro da grama cortada e dos pinheiros que me lembrava o exato momento em que entrávamos em Teresópolis, e como nós nos conhecemos. Escrever uma carta é um exercício da memória, em que normalmente tudo o que é de bom aparece, porque nos recusamos a perder tempo escrevendo tudo o que é de mau - pra isso, existe o telefone.

A persistência da memória (expressão que eu adoro usar, e que aprendi com Carl Sagan) é uma coisa útil, porque sempre nos cutuca quando andamos pela rua; quando estamos preparando às pressas o café-com-leite de manhã e ao lermos no jornal que a última loja da Virgin fechou. Eu adoro passar na porta do quartel do Corpo de Bombeiros porque sempre me lembro do meu avô dizendo como as pessoas engolem o "s" dos Bombeiros e dos Correios ("e é TelégrafO, sem s, porque os correios são muitos mas o telégrafo é um só.")

Eu aprecio cada dia mais o amanhecer, porque é outono e esta é uma das minhas estações prediletas - perdendo só para a primavera, mas as duas não precisam brigar: gosto de ambas porque o céu é sempre mais azul, as manhãs mais frias e as noites mais acolhedoras.

Viu? Já viajei num montão de coisas, só para dizer a você que eu gosto de escrever cartas. Quase sempre uso papel, mas cada vez menos. Porque as pessoas não tem a menor noção do que seja uma carta. Não é o tempo perdido de sentar e escrever à mão, dedos doídos pela caneta, a letra meio torta pelo costume do computador. É o tempo ganho pensando em alguém, lembrando de alguém, perguntando por alguém. E, como as pessoas não entendem, elas respondem por e-mail. Ou, pior, perguntam por que a gente não usa MSN.

Heresia.

Eu tenho muitas cartas escritas e não enviadas. Essa, felizmente, eu tive coragem de mandar.

3 comentários:

Revista Antimatéria disse...

obrigada pela visita

Revista Antimatéria

http://www.revistaantimateria.blogpsot.com

Ana Cecília Moura disse...

Xiii, tb nem lembro mais a última missiva enviada. Pena. Minha mãe ainda me brinda com longas cartas, sobre tudo e todos, pq diz sentir falta do "barulhinho do grafite no macio do papel". Cartas que não respondo, fato que, uns anos após sua morte, tenho certeza, me envergonhará bastante. Põe na conta do analista, mais essa... rs

Tira as outras da gaveta, se forem tão boas quanto essa.

cris disse...

ah, eu sou do time dos heréticos. não tenho a menor paciência pra cartas e acho que só não esqueci como se escreve à mão porque tenho que escrever no quadro de giz. mas eu entendo essa tua veia romântica. bjs