sexta-feira, agosto 05, 2011

O que chamamos vida



Ontem arderam-me as costas da mão direita quando tomava banho. E ali descobri, escondida entre as já muitas linhas que cobrem a pele, uma cicatriz. Fina, pequenina, esbranquiçada. Boba, ainda esfreguei a esponja ali para ver se não era corretor. Não era. Eu tenho uma cicatriz - antiga, já - nas costas da mão direita, até hoje ignorada e desconhecida.

Estica os dedos, dobra os dedos. A cicatriz sumia e reaparecia no pergaminho fino em que se transformou a pele que hoje recobre as minhas mãos. Fui procurar na mão esquerda. Outra cicatriz. E o banho virou uma caçada por marcas no meu corpo.

Examinei até onde os olhos alcançavam. Descobri mais quatro. Cicatrizes que eu não imaginava ter, nem como foram feitas, ou quando. Ignorância. Como os pequenos buraquinhos, feitos por cupins, no meu vestido favorito, e que eu não percebi até há dias; os arranhões no couro do mocassim amado e muito usado, tão à mostra na última chuva; ou as pequenas bolas amarelas que mancham as fotos dos meus avós, no aparador da casa dos meus pais, encontradas pelo feixe da lanterna quando faltou luz há um mês. Meus fios brancos escondidos na nuca, pelo tingimento inalcançáveis; os segredos das minhas filhas compartilhados com amigas, não mais comigo; os livros lançados mundo afora que jamais lerei; pessoas extraordinárias que acabam aqui e se vão, sem deixar o cheiro do que vestiram pela manhã.

Aquela sensação que podemos dominar tudo em nossa vida. A onisciência sobre o que nos rodeia. Essa ilusão foi-se e eu não percebi. Todo um mundo que eu nunca vou conhecer.

2 comentários:

josue mendonca disse...

As coisas lá fora são tão alarmantes que às vezes esquecemos de olhar os detalhes de nossa vida de nos mesmos

Anônimo disse...

a vida pode ser sempre uma novidade que acrescenta algo novo no nosso dia a dia. ao mesmo tempo, parece que está sempre fugindo de nós.

tava pelo blog da marjorie e achei esse aqui.......tô gostando muito.


:*