segunda-feira, dezembro 17, 2012

...

Eu ainda me pego baixando filmes que, tenho certeza, ele ia amar. Músicas dos anos 50 e 60. Separando CDs em lojas de importados, livros na Travessa. Pegando nas Lojas Americanas pacotes das meias que ele gostava. Pra quem é isso, mãe? Pensando em que caixa vou acondicionar este ano os quindins, já que a antiga se partiu.

Eu ainda acredito que me pai está por aqui, ao alcance de uma viagem de ônibus, de um telefonema. Eu ainda acredito porque não vi meu pai morto. E por isso ainda dói tanto. Como disse tão sabiamente Calvin, ele se foi lá fora, mas não aqui dentro.

sexta-feira, dezembro 14, 2012

2013

Ninguém reconhece você.

Formatura da Catatau. Saí depois da cerimônia (o pai levou pra jantar). Andei até o prédio dos meus pais (e que a partir de janeiro será o meu, também). O porteiro-da-tarde-saindo conversando com o porteiro-da-noite-entrando e o porteiro-do-dia-sem-nada-pra-fazer. Os três no jardim do prédio.

Eu na porta, olhando pros três. Eu, de cabelo penteado, vestido novo & bonito, salto, bolsa pequena, maquiada, unhas feitas. Eu, gente. Eles olhando.

Toco o interfone. Os três ainda olhando. O-da-tarde se aproxima devagar.

"D. Suzana?!"

Você sabe que precisa mudar alguma (aka muita) coisa na sua vida quando vide acima.

quarta-feira, dezembro 12, 2012

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Um dia depois do outro.
Simples assim.

quarta-feira, dezembro 05, 2012

Pai Nosso

Não consigo entender, casou tão apaixonado pra terminar assim, batendo a porta na minha cara, me chamando de tanta coisa...

Depois de dias de tanta chuva, o dia estava lindo. O céu extremamente azul. Eu pensei comigo vou prestar atenção em todos os detalhes. No vento que balançava a copa dos eucaliptos, no silêncio, nas flores à beira da estrada, em como alguém pode usar tanto azulejo e na cor nova que o dono escolheu agora para pintar a sua vendinha.

Maria depois me perguntaria Mamãe, o que são "minhas pêndices"? E eu engasguei porque, você sabe, não se chora de tristeza e se gargalha ao mesmo tempo. É "meus pêsames", filha. Pêsames me irritam. Sempre me irritaram. Antigamente, as gargalhadas também, até eu entender que podemos chorar e gargalhar ao mesmo tempo - mesmo sendo fisicamente impossível. Celebra-se a vida.

Meu pai jamais foi uma pessoa fácil de se conviver. Ficar velho estava fora de cogitação. Porque velhice é igual a dependência, lentidão, desprezo, desrespeito. Esquecimento.

Eu preciso ir lá. Eu não vi seu pai, preciso ir lá.

Minha filha foi até a capela, mãos dadas com minha mãe. Eu não fui. Fiquei do lado de fora, milhares de mosquitos a me picarem pernas, braços, orelhas, a despeito dos litros de repelente. Não importava. Um calor obsceno, sufocante, só as copas dos eucaliptos balançando lá no alto. Beija-flores, bem-te-vis. Tanto azulejo nos túmulos. Alguém lá dentro puxou uma Ave Maria. Ele não gostou, tenho certeza. Pra ele, somente o Pai Nosso - a única oração que Jesus ensinou ao homem.

E por que não me sinto culpada? Eu devia sentir culpa pelo alívio.

Meu pai tirou um tumor do cérebro mês passado. Depois da operação, o físico curou-se, o mental foi-se. Ele passava os dias procurando por meu avô, que morreu em 2001 - os dois brigados por uma bobagem que nem lembro mais qual. Domingo, saiu de casa de madrugada e caiu num córrego que passa dentro do sítio. Passou a noite na lama e no frio - minha mãe só o achou às sete da manhã. Quarta, voltou do hospital com o pé fraturado e uma leve falta de ar. Minha mãe subiu para preparar o quarto e ele, depois de dizer que não conseguia respirar, qual a música infantil deu três suspiros e morreu. Rapidamente, como queria. Sem ter ficado preso a uma cama, como ele queria. Sem ter ninguém a trocá-lo, alimentá-lo, virá-lo, lavá-lo - como ele queria.

Meu pai morreu. Minha mãe não viu quando ele se foi. Eu não vi meu pai morto. Ela sente culpa porque, depois de 51 anos de casados, ele a humilhava, maltratava, xingava, ignorava - o neurocirurgião nunca vira antes um Alzheimer tão agressivo. Ela sente culpa porque a morte dele foi um alívio. Ela pode agora voltar a viver. Pode dormir, pode comer o que quiser, pode usar sapatos e não andar de meias em casa - o barulho o irritava. Falei com ele no sábado antes de ele cair no córrego, e ele me abençoou. Vi meu pai um mês antes, quando ele estava a caminho da sala de cirurgia, brincando com as enfermeiras e o anestesista. Beijei-o e disse Vou estar aqui, pai.

Eu estou aqui, pai - e você também, sempre.

segunda-feira, novembro 19, 2012

Endereço desconhecido


É tanta coisa, mas TANTA coisa, que a vontade que eu tenho é entregar a chave para a dona da casa e dizer faz o que quiser com o que tem dentro tô fora.

Tijuro. Me dá um desespero sem nome que nem chamando a minha mãe.
Porque ela avisou que já fez nove mudanças na vida. A próxima, só se for pro São João Batista.

sexta-feira, novembro 16, 2012

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If I was your boyfriend,
Sometimes a girl just needs one
Keep you on my arm girl,
To love her and to hold
I can be a gentleman,
And when a girl is with one
If I was your boyfriend
Then she's in control 
If I was your boyfriend

segunda-feira, novembro 05, 2012

Não mais

* Descer 70 degraus com dois sacos de lixo de 100 litros, às 7h, três vezes por semana.

* Desentupir oito ralos debaixo de um temporal

* Ouvir o vizinho cantando karaokê às oito da manhã no feriado

* Encontrar 768.404.456 potinhos de comida e água para os gatos de rua na minha calçada

* Ser surpreendida com o fim do gás de botijão no domingo à noite, com um bolo do forno

* Descer e subir ladeiras com sacos de compras

* Andar 15 minutos para comprar pão

* Varrer toneladas de folhas que os micos, entre uma brincadeira e outra nas árvores do terraço, derrubam no quintal

*Encontrar ninhos de passarinhos no parapeito das janelas

* Ver o nascer do sol, recostada na minha cama, atrás do Dedo de Deus

* Comer tangerinas em cima da caixa d'água, com Vênus brilhante sobre minha cabeça numa noite de verão

* Comer bananas, jambos, mamões, maracujás e acerolas no pé

* Dormir sob um cobertor de silêncio absoluto

* Acordar com os pássaros saudando o sol

* Surpreender-se com bem-te-vis apostando corrida por dentro de casa

* Adormecer na rede, sob as estrelas

Morando em casas nos últimos 33 anos, estou me mudando para um apartamento.
Findou-se a aventura.

sábado, outubro 27, 2012

Perdão

Por 14 anos eu amei Charles Bukovski. As pessoas riam do nome dele, até porque ele rapidamente virou Buco. Mas foi Charles Bukovski por toda a vida. Olhava de cima, porque entendia a vida. Tinha aprendido muito, silencioso no seu canto, vendo muita coisa - coisas que nem gente deveria ver.

O que eu mais me lembro são as mangueiras, carregadas de carlotinhas. Isso e a entrada da Ponte Rio-Niterói. Tudo cinzento - a ponte, o céu, o mar. A janela do carro ficou aberta, apesar de ventar muito. Porque você não esquece o cheiro.

Um velhinho. Ele foi muito simpático, atencioso, carinhoso - isso desde às seis da tarde do dia anterior, quando eu, aos prantos, tentava ao mesmo tempo ser racional com ele ao telefone, engolir o choro, extravasar a dor e consolar as meninas. Eu queria que alguém fizesse tudo por mim. Ele fez o que pôde. Chegou em casa quase às nove da noite, vindo do Recreio - meio Rio de Janeiro a percorrer antes da chuva. Pediu apenas que eu preenchesse um papel e ficasse dentro de casa com as meninas, que ele cuidaria de tudo. Ficamos eu e as meninas na cozinha, abraçadas, ouvindo o barulho do saco sendo desdobrado, o arfar sob mais de 50 quilos, o esforço em ser o mais silencioso possível. "Amanhã eu pego a senhora às nove, pode ser?"

As mangueiras. Carregadas. Logo depois da loja de Fogos Santo Antonio, dobrar e seguir uns dois quilômetros na estrada de terra. O lugar é bonito. Tem muitas árvores frutíferas e um tanque de tartarugas. Eu entro rápido, sento em frente à atendente e espero. Três horas. Não tem café ("Só abrimos faz dois meses"), mas uma coca-cola aparece. Catorze anos em três horas e, no fim, um saquinho de cinzas numa caixa. A moça põe uma oração dentro dela - ia botar também um imã de geladeira mas eu pedi, num soluço, "não, por favor, me dê aqui que eu guardo na bolsa."

Dia 18. Eu resolvi, depois de semanas de muita canseira, tirar um dia pra me divertir na internet. Um dia só para ler e falar abobrinhas, conhecer melhor as pessoas, rir um bocadinho. Eu me diverti muito!
Era para eu ter ido para casa depois de as meninas saírem do colégio, mas eu resolvi esticar um pouco - estava tão boa a conversa, né? Chegamos em casa às seis da tarde para encontrar meu adorado, meu querido golden retriever morto na varanda.


Hoje ele faria 14 anos. Culpa é uma merda. Saudade também.

terça-feira, outubro 16, 2012

Seu futuro em picles

Dando uma geral no apartamento, você chega a duas constatações preocupantes:

Sua mãe juntou exatos 688 vidros de conservas/molho de tomate/geléias
e
Você está indo pelo mesmo caminho.

No ar


Catatau foi pedida ontem em namoro, depois de duas semanas de enrolação - sabe como é, dois caranguejinhos ficam naquela coisa de vai prali, vai pra lá, tô cum vergonha, diz você.

Ele fez o pedido via webcam.

Tempos modernos.

quinta-feira, outubro 11, 2012

Acontece agora


Terça, 15h: Zé Colméia, chegada da escola, diz que brigou com uma das meninas do grupo e vai fazer o trabalho de geografia para ser entregue no dia seguinte, sozinha (aka comigo, of course). Espalhamos dois sacos de 100 litros de sucata na sala e começamos.

Quarta, 1h: Zé Colméia dorme pro cima de caixas de ovos. Eu ainda levo duas horas para finalizar a "casa que quatro cômodos de um morador com problemas de excesso de consumo".

Quarta, 3h20: Consigo me deitar.

Quarta, 3h50: O cachorro grita na cozinha porque não consegue levantar para beber água.

Quarta, 4h15: O cachorro grita na cozinha porque foi levantar e entalou embaixo da mesa.

Quarta, 4h52: O cachorro grita na cozinha porque não consegue levantar para fazer xixi.

Quarta, 5h: O cachorro grita lá fora porque escorregou e caiu numa poça de xixi, o que demanda lavar um golden retriever de 50 quilos com lenços umedecidos para bebês.

Quarta, 5h30: Lembro que não fiz nada para o lanche do Dia das Crianças da Catatau. Preparo sanduíches e faço a jato uma garrafa de mate.

Quarta, 7h: Despejo as crianças na escola e vou para a rodoviária.

Quarta, 7h50: Rumo a Friburgo, onde meu pai será operado. O homem ao meu lado tem um cacoete horrível de fungar alto a cada 0,8 segundo - faz isso por duas horas e meia.

Quarta, 11h: Chego no hospital. A cirurgia que seria às 9h é postergada para as 15h30m. Fico no quarto como acompanhante, o que dá à minha mãe a oportunidade de ter algumas horas sem alguém em jejum e com um tumor de 8cm na cabeça reclamando de tudo e se escondendo da enfermeira, que quer dar "uma injeção nas minhas pernas para que eu nunca mais ande."

Quarta, 17h: Meu pai começa a ser preparado para a cirurgia. Chega o neurocirurgião. Sigo para a rodoviária. As meninas estão na casa de uma professora, me esperando.

Quarta, 17h55: Pego o ônibus rumo ao Rio. Uma menina atrás de mim chuta a minha poltrona a viagem inteira.

Quarta, 20h45: Chego na rodoviária. Uma fila gigantesca para pegar um táxi. Consigo recolher as meninas uma hora depois.

Quarta,  22h: No supermercado, comprando ração para os cachorros.

Quarta, 22h45m: Chegamos em casa. Zé Colméia precisa refazer o trabalho - a professora diz que a casa tem que ter visão horizontal (caixas de sapatos montadas umas sobre as outras) e não vertical (como montamos, dentro de uma caixa de papel sulfite). Por gentileza, faleça, mestra.

Quinta, 2h30m: Zé Colméia desmaia sobre uma pilha de papel camurça. O cachorro grita na cozinha porque não consegue levantar para fazer xixi.

Quinta, 4h50m: Finalizo o trabalho. O cachorro grita na cozinha porque não consegue levantar pra beber água.

Quinta, 5h: Tomo café da manhã - se dormir não vou conseguir acordar as meninas na meia hora seguinte.

Quinta, 6h30m. Despacho as meninas para a escola. Enquanto sonho acordada com o meu travesseiro, a locadora liga - quer finalizar a inspeção da casa e só tem esse dia antes do feriado e, pra falar a verdade, está lá embaixo no portão e viu as meninas saindo e pode ser agora?

Quinta, 10h30m: A locadora sai.

Quinta, 10h35m: A escola liga. Zé Colméia está vomitando. Entre um ai quero minha mãe e outro, confessa que comeu sete churros escondido na hora do recreio.

Quinta, 11h15m: Vou buscar Zé Colméia na escola. Passo num hortifruti para comprar frutas.

Quinta, 12h30m: Vou buscar Catatau na escola. Ela ainda está almoçando. Enquanto espero, combino três visitas para orçamento de empresas de mudanças/pintura/impermeabilização de assoalho.

Quinta, 16h: Depois de encomendar ração, passar no banco, pagar contas, comprar remédios, lavar e pendurar duas máquinas de roupa, estou saindo para fazer o supermercado do feriado.

A única coisa que me mantém em pé é a eletricidade estática. Sou um experimento da física humano, ao vivo e a cores, em tempo real. Também estou vendo coisas, mas é melhor pular essa parte.

terça-feira, outubro 09, 2012

Tudo de novo

Meu medo de conhecer gente nova - eu, não Suzana - é quase patológico.
Pra sair à luz do sol vou ter que reaprender a ser um bicho social.

Ao encontro da luz

Você começa realmente a questionar se esse mundo - o mesmo mundo que se apresenta ao piscarmos os olhinhos toda manhã - é real ou fruto de uma diabólica conspiração arquitetada por uma corporação do futuro quando você descobre que sua filha (aquela que não sabe falar de outra coisa que não seja Crepúsculo e atores musculosos & outras abobrinhas típicas de quem não tem nada da cabeça) tem, no iPod, dezenas de músicas de James Brown, Marvin Gaye, Etta James (!), Sly & The Family Stones (!!), Stevie Wonder e por aí vai.

E carrega na mochila O morro dos ventos uivantes*.

Sim. Há esperança.
Oremos.

* O livro preferido da Bella, de Crepúsculo. Nada é perfeito.

segunda-feira, outubro 08, 2012

...

Desfazer dois imóveis (aka livros, livros, documentos, livros, fotografias, livros, bonecos de pelúcia, barbies, livros, livros, livros, livros, dois cachorros, livros, livros e meia dúzia de livros) e juntá-los em um só:

Quero muito, mas muito - MUITO - a minha mãe.

quinta-feira, outubro 04, 2012

...

E o negócio tá andando - e eu tô dando uma empurrada, porque o dinheiro da poupança acabou. Finito. Então agora TEM que correr pro abraço, porque já estamos nos acréscimos e prorrogação não vai ter não, filha.

Mas não era sobre isso o que eu ia falar. Desde que voltou da imersão como-seria-viver-na-casa-do-meu pai, Zé Colméia acordou pra vida e resolveu estudar (a ameaça de perder o ano também ajudou). Estávamos ontem falando do meu negócio e da reunião que eu tive com a sócia carioca (sou chique: tenho uma sócia do Rio e uma sócia paulista). E filhota perguntou: "Mãe, minha prima trabalha desde os 14 anos. Posso trabalhar também?"

Amei aquela aborrecente que nos últimos dias voltou a brincar com seu bebê-boneca (tudo bem que a dita é chamada de "Kristéin" - nada é perfeito). Uma cara muito séria. Falei que ela teria que ser aprendiz, que teria que esperar até depois de junho de 2013 (quando ela faz 14 anos), que eu podia falar com o povo das editoras etc. Ela pediu então pra ligar pro pai para contar a novidade.

O que ele fez?

Riu da cara dela. Histericamente.

Depois vem a representante do Ministério Público dizer que "a presença do pai é importante".

Faleçam os dois.

segunda-feira, outubro 01, 2012

Os afogados e os sobreviventes*


A vida é somente histórias que contamos, me diz uma tcheca que mora na Inglaterra - é uma das milhares de crianças adotadas por famílias que receberam os órfãos da guerra. Ela descobriu, tarde na vida, que tudo o que ela sabia sobre sua família era uma ficção muito bem contada. Ou quase. Também está numa cruzada para achar seus quatro irmãos.

Somos seis na busca pela família Di Zio. Um mora na Áustria e pegou para si o encargo de entrar em contato com as organizações, como a Fondation pour la Mémoire de la Déportation, o Museo della Deportazione e o Simon Wiesenthal Center, numa lista com mais de 50 entidades. Eu faço a pesquisa e escrevo emails. Já mandei quase uma centena, contando a mesma história. Recebi algumas respostas, mas normalmente é de gente que quer compartilhar sua experiência. Um homem da Austrália me disse que o pior que aconteceu é que todos dizem "nunca esquecer" mas ninguém quer ouvir. Diz ele que, menino ainda, quando tentava contar tudo o que tinha visto era interrompido. Esqueça, isso já passou. "Não, não passou. Jamais vai passar. O que fazemos é arrumar uma grande caixa em nossa cabeça e, ali, guardar as lembranças. Mesmo sem pais, irmãos, primos, tios, amigos que partilharam conosco o sofrimento - porque eles mesmos se foram - a sua ausência é que nos faz lembrar, todos os dias, que nós conseguimos, e eles não."

Eu sei que é uma busca infrutífera. Conversamos nós seis esse fim de semana e sabemos que essa é uma tarefa para anos de trabalho - tempo que nosso Emilio não tem.

* Primo Levi. A dor torna-se um vício que só é curado depois de lido tudo o que ele escreveu.

quinta-feira, setembro 27, 2012

Ninguém tasca!

(Catatau apontando no pátio seu futuro marido):

- Nossa, filha, mas esse seu paquera é um gato, hein?
- Nem vem, mãe. Eu vi primeiro.

Bram Stocker me chicoteia

Num tô mais aguentando.

quarta-feira, setembro 26, 2012

Somente

Vocês que vivem seguros
em suas cálidas casas
vocês que, voltando à noite,
encontram comida quente e rostos amigos, 


          pensem bem se isto é um homem
          que trabalha no meio do barro,
          que não conhece paz,
          que luta por um pedaço de pão,
          que morre por um sim ou por um não.
          Pensem bem se isto é uma mulher,

          sem cabelos e sem nome,
          sem mais força para lembrar,
          vazios os olhos, frio o ventre,
          como um sapo no inverno.

Pensem que isto aconteceu:
e lhes mando essas palavras.
Gravem-na em seus corações,
estando em casa, andando na rua,
ao deitar, ao levantar
repitam-nas a seus filhos.

          Ou senão, desmorone-se a sua casa,
          a doença os torne inválidos,
          os seus filhos virem o rosto para não vê-los.



Na manhã do dia 21, porém, soube-se que os judeus seriam levados no dia seguinte. Todos, sem exceção. Inclusive as crianças, os velhos, os doentes. Não se sabia para onde. A ordem era preparar-se para uma viagem de quinze dias. [...]

Para os condenados à morte, a tradição prescreve um austero cerimonial, a fim de tornar evidente que já não existe paixão nem raiva; apenas medida de justiça, triste obrigação perante a sociedade, tanto que até o verdugo pode ter piedade da vítima. Evita-se ao condenado, portanto, toda preocupação externa; a solidão lhe é concedida e, se assim ele o desejar, todo conforto espiritual; procura-se, enfim, que não perceba ao redor de si nem ódio, nem arbitrariedade, mas necessidade e justiça e, junto com a pena, o perdão.

Nada disso, porém, nos foi concedido, já que éramos muitos, e pouco o tempo. Além do mais, do que deveríamos nos arrepender ou sermos perdoados? O comissário italiano providenciou para que todos os serviços continuassem funcionando até o anúncio definitivo; na cozinha trabalhou-se como sempre, nas equipes de limpeza também; até os professores da pequena escola deram aula à noite, como nas noites anteriores. Só que as crianças não receberam dever para o dia seguinte.

A noite chegou, e todos compreenderam que olhos humanos não deveriam assistir, nem sobreviver a uma noite dessas. Nenhum dos guardas, italianos ou alemães, animou-se a vir até nós para ver o que fazem os homens quando sabem que vão morrer.

Cada um se despediu da vida da maneira que lhe era mais convincente. Uns rezaram, outros se embebedaram; mergulharam, alguns, em nefanda, derradeira paixão. As mães, porém, ficaram acordadas para preparar com esmero as provisões para a viagem, deram banho nas crianças, arrumaram as malas, e, ao alvorecer, o arame farpado estava cheio de roupinhas penduradas para secar. Elas não esqueceram as fraldas, os brinquedos, os travesseiros, nem todas as pequenas coisas necessárias às crianças e que as mães conhecem tão bem. Será que vocês não fariam o mesmo? Se estivessem para ser mortos, amanhã, junto com seus filhos, será que hoje não lhes dariam de comer?

No barracão nº 6 morava o velho Gattegno, com a  mulher, os filhos, os genros, as noras trabalhadeiras. [...] As mulheres foram as primeiras a ocupar-se dos preparativos da viagem, caladas e rápidas, para que não faltasse tempo para o luto e, quando tudo ficou pronto, assado o pão, amarradas as trouxas, então tiraram os sapatos, soltaram o cabelo, fincaram no chão as velas fúnebres e as acenderam, conforme o uso de seus antepassados; sentaram em círculo para a lamentação, rezaram e choraram durante toda a noite. Muitos de nós ficaram na frente daquela porta; desceu dentro de nossas almas, nova para nós, a dor antiga do povo sem terra, a dor sem esperança do êxodo, a cada século renovado.

Primo Levi, "É isto um homem?"
Tradução de Luigi Del Re
Editora Rocco, 1997

Eu li este livro há uns bons dez anos, e nunca mais o reli. Ontem entendi o porquê.

terça-feira, setembro 25, 2012

Meu querido amigo

Livrar-se do passado é uma experiência que toma tempo. Muito tempo. Já são dois meses arrumando as estantes de casa (ainda faltam duas) e cada livro que me passa pelas mãos tem que ser aberto, cheirado, inspecionado, minuciosamente manuseado - e de entre as páginas saem desde dedicatórias de Paulos, Alices, Anas, Sandras, Claudios e Leandros que não me fazem ouvir sinos até bilhetes apaixonados de pessoas para quem uma morte lenta e dolorosa seria muito pouco. Ao folhear cada livro caem pelo chão da sala desenhos rabiscados de minhas filhas, guardanapos de papel, flores secas, entradas de teatro e cinema, cartas - muitas cartas.

Estas me levam por outras estradas, e elas serpenteiam e se ramificam. São muitas - estradas e cartas e lembranças e saudades - quando resolvemos largar tudo e visitar o passado. Pena que não se escrevam mais cartas; eu mesmo tenho uma rabiscada & guardada Deus sabe onde (mentira: eu sei onde está. Uma parte, no meio das páginas de Paixão pelo saber - Uma breve história da Filosofia e a outra, dentro de A jogadora de go) para uma amiga querida. Eu costumo escrever coisas para pessoas de quem gosto em pedaços de papel, post its, guardanapos, versos de contas - tudo devidamente entesourado no livro que estou lendo no momento (ou que estiver mais à mão) e posteriormente esquecido. Assim, achar essas cartas (ou, antes, fragmentos) me remetem muito mais a quem eu era naquele momento - o remetente, na maior parte das vezes, ignoro que relevância tinha para mim. Mas o que eu escrevi - meu Deus, somos novas pessoas a cada dia, e não nos percebemos assim.

Querida Anuska
Estou bebericando o mesmo chope aguado há uma hora, e me pergunto se quero mesmo ser bióloga. Se quero ter uma carreira. Se teria coragem de largar tudo e ir-me embora, sabe-se lá para onde. Meus pés doem, estou arruinando meus joelhos, mas estou doida para ver os sapatos novos que Teresa trouxe de Madri. Não consigo ver a hora de experimentar meu novo vestido, de ensaiar os novos passos vindos diretamente da Feria de Sevilla deste ano. Virar dançarina de flamenco e enfartar meu pai.
O garçom está me olhando de cara feia. O bar está enchendo, o povo em pé na calçada, e eu com cara de intelectual entediada. Estou pensando em trancar a faculdade e fazer outra coisa, mas não sei o quê. Jornalismo? História? Linguas? Sei lá. Este é o quarto dia que mato aula e vou para a praia pensar no que vou fazer da minha vida.
"Fazer da vida" parece coisa de puta, não? "Fazer da vida", "fazer a vida". Preconceituosa, eu. Além de indecisa. E entediada.  (Escrito com caneta Bic num pedaço de toalha de papel, guardado dentro de Memórias de Adriano, de Marguerite Yourcenar).

Eu em lembro dessa noite, eu me lembro desse momento.
Mas eu não me lembro quem era Anuska.

sexta-feira, setembro 21, 2012

Ciclos da vida

Um amigo muito muito querido uma vez me disse que, às vezes, basta uma coisa sair do lugar na vida da gente pra tudo se mover, qual uma engrenagem, para que tudo volte a se encaixar à perfeição. Essa foi a mais perfeita imagem que alguém já me descreveu para ilustrar um momento de grandes mudanças na nossa vida.

O sonho de uma existência - um negócio próprio que vai alimentar bocas e almas, além de fazer a diferença para, no mínimo, três pessoas - está se concretizando; depois de quase 11 anos numa casa que foi inicialmente ocupada num momento de desespero e fuga (o fim do meu casamento) a locadora pediu o imóvel de volta, e eu vou ter que recomeçar em outro lugar; uma sessão de desapego interminável, que já rendeu literalmente três viagens de um pequeno caminhão baú.

E uma última história: eu tive um professor incrível na faculdade. Ele, na verdade, não lecionava para as turmas de jornalismo, mas resolvi fazer uma optativa com ele. Mesmo sendo criada por pais que lêem, foi ele que me incutiu a semente da editora, da amante incondicional de livros - foi ele que me ensinou a reverenciá-los. Ele mesmo tem uma história de vida fantástica. De família judia, foi entregue a um casal italiano aos cinco anos para que escapasse do genocídio - as duas famílias eram vizinhas na Alemanha. Sua nova família veio para o Brasil logo depois, e ele nunca soube ao certo o destino de seus parentes. Pai e mãe foram deportados - ela, grávida (ele não sabia de quanto, só lembra da barriga da mãe). Tudo o que ele sabe foi contado por seus pais adotivos. Tem apenas duas imagens dos pais, fotografados com os vizinhos.

Ele sempre buscou informações, mas não de maneira consistente. Nunca manteve contato com a família adotiva. Viúvo, não teve filhos. Há dois meses foi diagnosticado com Alzheimer. Na semana passada ele chamou alguns ex-alunos com quem ainda mantém contato. Vi meu velho professor encher os olhos d'água ao pedir nossa ajuda: ele quer saber o que aconteceu antes que esqueça o pouco que lembra. Então somos agora um grupo de seis pessoas procurando por pessoas que sumiram há mais de 50 anos. Montamos nossos planos de ataque, nossas listas de contatos (graças a Deus, gigantescas e bem fornidas) e vamos à lida.

Para quem perguntou: o nome do meu professor é Emilio di Zio (o seu nome real). Se você sabe de alguém que tenha esse sobrenome me escreva, por favor.

terça-feira, setembro 18, 2012

No fim

É preciso uma amiga muito especial te ligar do nada pra dizer que, quando uma porta se fecha, uma janela se abre. E eu quero muito acreditar nisso.

segunda-feira, setembro 17, 2012

...

Um dia você acorda depois de um fim de semana sozinha e se espreguiça na cama gigantesca, grande para somente uma pessoa, e aí bate aquela solidão doída, que dá falta de ar e deixa as mãos geladas. Sai da cama e entra na correnteza da rotina, e faz tudo igual o dia inteiro, e tem as mesmas preocupações (dinheiro criança futuro) e então você pára no meio da rua e diz chega.

Chega.

Pois é. Chega. Você estufa o peito e diz é agora, não depois. Aí sua filha mais velha, que concordou em mudar, em dar uma chance à família, manda uma mensagem por celular mais do que desaforada - depois de enfiar a mão na cara da irmã. Sua caixa de correio te traz uma ordem de despejo (porque a dona da casa resolveu fazer uma reforma sem prazo pra terminar e, pelo visto, sem prazo pra começar, também) e sua vizinha te liga pra avisar que o cachorro, que quase não anda mais, caiu e está com as patas presas sob a grade da varanda. "Você pode vir o mais rapidamente possível? Ele está gritando praticamente desde as 8h da manhã."

Aí você faz o quê? Joga o limite do Chega mais pra frente. Empurra com a barriga, finge que não viu, aumenta a capacidade de memória e aperta reiniciar. Você faz isso de novo e de novo e de novo ("Mãe, você pode ver...", "Mãe, foi ela quem começou", "Filha, pode ver pra mim...", "A senhora pode comparecer...", "Você pode mandar o dinheiro...", "O prazo de 60 dias para desocupação do imóvel...") até o dia em que o sistema não volta. E aí?

E aí não sei. Espero não estar aqui pra ver.

terça-feira, setembro 11, 2012

...


 Sempre me disseram que adolescência pode ser dor e delícia. Eu tenho os dois. A delícia com a caçula, a dor com a mais velha. Todo santo dia, abrir os olhos significa a luta - para ter a última palavra, para o desafio mudo, para a malcriação velada, para o desrespeito sussurado pelas costas. "É fase", todo mundo me diz.

A rédea curta é imediatamente solta e lançada ao vento na casa do pai. TV até as 3h da madrugada e sem autocensura no controle remoto (afinal, ela tem 13 anos e fica sozinha, enquanto a casa dorme), netbook a mil durante todo o fim de semana em qualquer ponto do apartamento.

Ontem ela voltou do fim de semana com meu ex me chamando pelo primeiro nome. Respostas tortas, tom de voz petulante, agredindo verbalmente a irmã ("gorda" foi o mais suave que saiu daquela boca). Então, no elevador da casa dos meus pais, dei meia dúzia de palmadas nela. Batia sem pensar, sentindo uma raiva cega, espumante. Por um momento, eu odiei aquela menina. Minha filha adorada. Saí daquele cubículo, parei um táxi, nos enfiamos as três e ela, de mochila e uniforme, foi despejada na portaria do trabalho do pai. Assim que ele apontou na porta do elevador mandei o táxi seguir.

Cheguei em casa e chorei. Minha caçula chorou comigo o meu fracasso. Não sei se minha filha foi à escola. Não sei se tem roupas limpas, se tomou café da manhã, se tem o material necessário para assistir aula, hoje. Não sei de nada.

Só sei que sou humana, e que isso não me consola. Deveria ser mãe, antes de tudo.

quinta-feira, setembro 06, 2012

...


You know I dream in color
And do the things I want

quarta-feira, setembro 05, 2012

Então



Chega uma hora em que não temos mais nada a dizer. Triste. Faz tempo que eu não tenho o que dizer. "Então fique de boca fechada", já dizia a minha avó. Mas esse limbo existencial não é bonito, não é pitoresco, não é divertido. É um tédio. Porque eu sempre fui acostumada às grandes paixões, aos dramas intensos, à adrenalina "o que vai acontecer agora", ao amor que arrebata, ao frio na barriga. Sempre fui acostumada ao diferente. A diferença hoje é que tudo é sempre igual - e eu não estou me importando muito.

Claro que tem o meu negócio, o buraco no teto do meu quarto, o tumor do meu pai, os planos para amanhã - não O Amanhã, mas o dia seguinte a este. Eu olho o que as outras pessoas escrevem e digo puxa ele está vivendo, ela está progredindo, eles estão se divertindo. Olho a lista dos seguidores e não consigo imaginar por que diabos Zander Catta Preta é meu seguidor.

Ontem achei meu mp3 sumido há uns bons três anos. Viva eu.

Chata, a vida.

segunda-feira, setembro 03, 2012

Falta de medicação

Deve existir uma explicação lógica, plausível e bem razoável para alguém acordar numa bela manhã com uma vontade irresistível de aprender pole dance.

sexta-feira, agosto 24, 2012

Pelo fim da ditadura do espanador



Pra quem perdeu a novidade:

Como vou ter que trocar o forro da casa toda, preciso desentulhar os cômodos o mais rapidamente possível. Além de doações (muitos clássicos, coleções, enciclopédias atuais, livros infantis; muita roupa, uma cama de casal e louça até dizer chega) pretendo vender metade da minha biblioteca, que está chegando a 4 mil volumes - e eu ando de saco cheio de tirar pó de tudo isso todo fim de semana. Unindo o útil ao agradável, estou passando uma porção de livros nos cobres - a maior parte, ficção. Tem Dalton Trevisan, Rubem Fonseca, Jô Soares, Michael Crichton, Amélie Nothomb, Salman Rushdie e outros. Qualquer livro a R$ 10. Eu ainda tenho muuuita coisa para subir, incluindo não ficção, livros de arte e fotografia e alguns infanto-juvenis.
Dá uma olhada lá: www.leituraseminova.blogspot.com. Eu quero me livrar dos livros, então fazemos qualquer negócio, e eu ainda mando agradinhos e brindes.

PS. Então. Somos duas. A Simone também perdeu filha e marido debaixo das toneladas de livros na casa dela. Se você quiser espiar a seleção que ela pôs na banquinha da calçada dê uma olhada no Flickr da moça.

quinta-feira, agosto 16, 2012

St. Therese entre Chats


Essa é a história não de um, mas de dois gatinhos que subiram no telhado. O namoro tinha começado havia dias. Obviamente, ninguém da vizinhança dormia, mas tudo o que importa nessas horas é o amor. L'amour. Então. Os dois gatinhos viviam numa casa com mais dez bichanos. Nenhuma privacidade.

A gata era linda, linda. E o gatinho tinha ciúmes dela. Uma noite, ele sugeriu: "Que tal irmos para o telhado? Está uma noite linda, não muito fria, e teremos a lua como companhia!" A gatinha cedeu. Afinal, ele era charmoso, bonitão, e ainda por cima trazia uma coleirinha vermelha que era tudo. Subiram então os dois. No meio do caminho a gata, num acesso de timidez e pudor, pediu para que fossem para o forro, porque não se sentia bem exposta. O gato, querendo que a vizinhança comprovasse seu poder de sedução, não gostou muito da ideia.

"Vamos para o telhado, amor", insistiu ele.
"Quero ficar no forro", teimou ela.
"Telhado", disse ele.
"Forro", retrucou ela.

Ele pegou-a pela pata, tentando levá-la para cima. Ela tentou se desvencilhar,  puxando a pata para baixo. Nessa luta os dois se desequilibraram e caíram da viga onde estavam.
E atravessaram o forro.
E se estatelaram no meio do meu quarto, no meio de uma nuvem de poeira de 137 anos e pedaços de madeira.

Essa é a história triste de como uma noite, que começou com "miaus" melancólicos, se transformou num festival de "miarrrrrrrr" e "psttstststststst!" e terminou com um buraco gigantesco no teto do meu quarto. E as pessoas não entendem por que eu detesto gatos.
Então. É por isso.

quinta-feira, agosto 09, 2012

London 1908




- Vem, mãe!
- Tô indo! (colabora, cachorro!)
- Vai começar!
- Tô pingando o ouvido do cachorro! (Pára, bicho!)
- Mãe!
- Cheguei!
- Agora cabô.
- Oi?
- Cabô.
- Comassim?
- Agora só em 2016.
 
...

Acordada desde as 5h esperando a prova. Bandeja de café da manhã, pronta. Cachorro medicado, check. Meninas na escola, ok. 

- Tropeça Sicranuk Bertranak logo depois da largada - e ele está fora dos Jogos!

...

- Pois é, Fulano, muito corretas as apresentações até agora mas está faltando ainda alguma coisa que mostre que os atletas estão nas Olimpíadas, não?
- É sim, Beltrana. Agora é a vez de Sicranovsly Beltranovich. Ela que está na 17ª posição do ranking teve uma campanha regular no ano pass...zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz... SENSACIONAL! (ronc... o quê? o quê?) Em mais de um século de Olimpíadas jamais um atleta fez um movimento como esse! (qual? qual?) Entra para a História dos Jogos esse momento e-mo-ci-o-nan-te! (onde? como?) Agora você acompanha as semifinais do cuspe em distância. 

terça-feira, julho 31, 2012

Vergonha alheia


Fiquei três semanas trabalhando em casa (sem internet) e, pra não ser a última a saber do fim do mundo, comecei a assistir aos jornais da Globonews. Dureza. Fico pensando em tudo o que eu aprendi na faculdade. Nas aulas do Nilson Lage. Zuenir Ventura & companhia. Meus anos trabalhando em duas grandes redações. Leilane comentando o massacre no cinema. "Mas a gente não entende como acontece isso, não? Será que é algum problema mental ou ele é assim? É difícil comentar." Oi? Comentar? Você tem OPINIÃO sobre o fato?

Pois é, todo mundo opina. "Que coisa", "Que desagradável", "Que ridículo", "Não consigo entender". Os especialistas que são chamados a dar entrevista não dão entrevista: somente seguem o "Mas o senhor não acha que isso e aquilo...?" com uma cara de constrangimento total. O correspondente nos EUA parecia do E! News (que, perto desses jornais, tá batendo um bolão - afinal, eles ENTENDEM do que estão falando).

E os textos poéticos? As musiquinhas? As caras fúnebres quando o assunto é sério e tããão felizes quando a primavera chega?

Um dia um amigo meu me perguntou se eu queria voltar pra uma redação.
Nem morta.

segunda-feira, julho 30, 2012

Muito

Existe todo um orgulho em suar dois dias, ferir os dedos, xingar a quarta geração de deus-sabe-quem e terminar, sozinha, a montagem de um beliche.
Usando somente um canivete.

quinta-feira, julho 05, 2012

Há 11 anos


As discussões com a irmã (uma das que sofreram lavagem cerebral, aka fã de Crepúsculo) não terminam nunca. Porque ela não se conforma: para minha pequena, nada de bom veio depois da saga de Harry Potter. Ela ama todos os personagens; sabe os feitiços de cor, os diálogos, o nome de cada inimigo, aliado, neutro ou covarde dos filmes. E, quando começou a ler as histórias, se encantou em descobrir o universo inexplorado que é um livro. ("Mamãe, os livros são muuuito melhores que os filmes!", disse o orgulho-de-mami).

Ela se preocupa com a minha saúde, com a minha velhice. Toda noite vem checar a minha lingua pra ver se eu comi direito durante o dia. De manhã ainda exige toda uma estratégia de guerra para arrancá-la da cama, assim como um discurso muito bem engedrado para convencê-la a não usar um short tão curto, uma blusa tão colada - ela, com aquele corpo de mulata farta e brejeira, ainda merece alguns anos de inocência.

Já são 11 anos de Catatau. Feliz aniversário, minha flor. Para você, minha querida Joaninha, há muita magia ainda por vir.

quarta-feira, julho 04, 2012

Sem noção

Eu disse e repito: quanto mais velha fico, menos paciência tenho. Carros que param na faixa de pedestres ou que avançam o sinal usualmente já são premiados com um "Idiota!" - a depender do meu humor, dito entredentes ou em alto e bom som. Mas o que me espanta é a desenvoltura com que as pessoas estraçalham as divisas entre o seu e o direito alheio.

Há poucos minutos desceu a rua uma manifestação de professores. Cantavam "Pra não dizer que não falei das flores". Eu, a espírito-de-porto encarnada em total esplendor, me faço de desentendida e pergunto pra um mestre "Nossa, que música forte! É de vocês?" Resposta: "É música oficial de passeata. Quem fez deve ter sido algum funcionário em greve, e aí pegou!" E aí pegou, pensei eu antes de quase ser atropelada por uma faixa "Abaixo a ditadura". E pára o carro de som na porta do hospital. "Vamos gritar o mais alto pro governador ouvir: Fora, Cabral!" E o povo: "Fora, Cabral!" E o cara no som, "Abaixo o capitalismo espoliante!" E o povo, "Abaixo o capitalismo espoliante! Êê, fora, Cabral! Êê, fora Cabral!". Debaixo das janelas do hospital. Por meia hora.

"Moça, vocês estão na frente do hospital! Não dá pra fazer isso mais abaixo na rua?
"Aqui é o mais perto do palácio que dá pra chegar. Os doentes aguentam!"
Os doentes aguentam.

Mas eu não. Tô cheia.

terça-feira, julho 03, 2012

...

Tem momentos na vida que realmente tudo é (tem que ser), como diz a música, me, myself and I. Mas quem é mãe sabe como é dureza largar velhos hábitos e admitir que, ora bolas, você ainda é um ser humano.

segunda-feira, julho 02, 2012

Vício Maldito



Como eu disse lá no site da Simone, estamos as três viciadas em Once upon a time. Fizemos uma maratona lá em casa (cada uma no seu notebook) e vimos toda a primeira temporada. Depois, fizemos algumas considerações e fechamos que:

* Nós amamos Mr. Gold!
* David faz tanta m. que agora a gente só chama o coitado de Príncipe Charmento (quando ele é o David).
* Chapeuzinho Vermelho é ídola da Catatau ("Mesmo ela se vestindo que nem uma piriguete!").
* Sentimos pena de Regina. A vida sacaneou a pobre tanto que ela agora sacaneia todo mundo.
* Emma é quem queremos ser quando crescermos.

Que coisa horrível de se fazer com crianças inocentes e altamente impressionáveis.

O momento é tudo

Qual a hora certa de deixar a filha voltar sozinha da escola? Andar de ônibus? Ir ao shopping sozinha com as amigas? Pra fazer a cópia da chave de casa? Deixar voltar mais tarde de uma festa? Depilar as pernas? Usar salto? Estender o horário de dormir? Contar coisas sobre o seu passado? Dividir (muitas) incertezas sobre o futuro? Parar de comprar tanto cor-de-rosa?

Ando tão perdida...

sexta-feira, junho 22, 2012

O que não nos mata...

... nos fortalece. Há meia hora voltei do supermercado carregada. Sozinha na calçada, fui me desviando do pessoal arrumado, cheiroso e fashion indo para o cinema, beber, namorar. E eu abaixei a cabeça e segui. Houve um tempo que isso doía, e muito, Hoje, não. Porque, infelizmente, a gente se acostuma. A achar que mãe é assexuada. Que dona-de-casa dorme cedo, se depila e faz as unhas em ocasiões especiais e só compra roupa quando necessário. Compra de impulso, só para os filhos. O dinheiro guardado é para gastar com coisas úteis, em emergências, no futuro. Porque, sejamos francos, virando o cabo dos 45 anos, o futuro não é tão comprido, tão longo assim. Não é tão promissor.

O que não nos mata nos fortalece. Eu hoje comprei um perfume para mim. Vagabundo, pequeno, comum, entre tantos vagabundos, pequenos e comuns expostos naquela prateleira do supermercado. Mas é meu. Meu supérfluo. Minha besteira, meu dinheiro jogado fora - mas um dinheiro que jamais foi tão bem empregado, em toda a minha vida.

quarta-feira, junho 20, 2012

Há 13 anos




Ela odeia (ou "Vaza, mãe"):

Tomar café da manhã;
Roupa apertada/piniquenta/curta (aka minissaia e qualquer-coisa-de-lastex);
Dormir cedo;
Que falem mal de Crepúsculo e de todos os envolvidos, sejam atores/equipe técnica ou qualquer um que esteja a pelo menos 245 passos de separação do casal Robsten;
Creme de milho;
Matemática;
Usar aparelho.

Ela ama (ou "Que mico, mãe!"):

Brincar de Barbie, Polly, Littlest Pet Shop (mas tem vergonha);
Sair pra passear pela casa empurrando carrinho de boneca com a irmã (mas tem vergonha);
Sentar no meu colo pra ganhar um monte de beijos (mas tem vergonha);
Quando eu falo bem alto o seu apelido (mas tem vergonha);
Ver as fotos de quando era bebê (mas tem vergonha);
Que eu arrume a mochila e borde seu nome nas bolsas, nas necessaires, nas bolsas com material da ginástica (mas tem vergonha);
Que eu lembre como ela é linda e fofa e cheirosa e meiguinha (mas tem vergonha).

Os 13 melhores anos da minha vida. Parabéns, minha flor. Mesmo sendo agora Maria para o mundo, você ainda é - e sempre será - minha Zé Colméia.

quarta-feira, junho 13, 2012

A Deus pertence

O que é preciso fazer. Às vezes só em pensar você se sente esmagada - a palavra é essa, esmagada - pela lista de tarefas. Mesmo que esteja de olhos fechados, deitada na cama, no escuro, e são 3h17m da madrugada e você não consegue dormir porque a lista de coisas a fazer não termina. E se o dia tivesse 60 horas ainda sim a lista não ia diminuir.

Saí da revista - em boa hora, porque ela não anda bem das pernas e era isso ou isso. O dinheiro ganho (não foi muito) já foi quase todo em roupa para as meninas (sutiãs, calcinhas, sapatos, calças compridas), no tratamento do cachorro, na troca inadiável do encanamento do banheiro. E então passo hoas debruçada sobre o orçamento familiar vendo o que é possível cortar, remanejar, adiar, desistir. Ver se é vantajoso levar o empréstimo pedido numa urgência médica para um banco com juros menores ou se gasto menos tirando as meninas do integral e fornecendo as refeições em casa.

Na outra planilha, o andamento do projeto. A seleção dos livros. O modelo do site. A estratégia de divulgação. A escolha dos textos das colunas. Os planos a curto, médio e longo prazo. Os anunciantes. A pergunta que não quer calar: o quanto ele tem que render pra eu, ao menos, fechar as contas no fim do mês.

segunda-feira, junho 04, 2012

Mão na massa

Começar um negócio é começar uma vida. É rearrumar a rotina, realocar prioridades. Mas mesmo nesse turbilhão de ideias, de coisas-a-fazer, mesmo nessa necessidade urgente de trocar pensamentos doidos com a minha sócia - sim, eu tenho uma sócia, tão sonhadora como eu e de um tal grau de maturidade e doçura que eu me sinto feliz por ter arrumado tempo pra responder àquela mensagem de ajuda pra um trabalho - eu sinto falta de ter alguém que me pergunte "E aí, o projeto está andando?".

Lista de livros, modelos de sites, relação de profissionais que preciso contatar. Meu armário está com cupins, o pedreiro me abandonou (e a mim, que fiz juras de amor eterno a ele, só sobraram sacos de areia) e a operação desapego continua furiosamente em andamento.

Quase 46 anos, e contando.

quinta-feira, maio 31, 2012

Decotes

Zé Colméia tem seios. Grandes seios que, absolutamente, não combinam com ela. Porque, veja bem, ela gostaria que eles fossem atarraxados, sabe? Aí poderia escolher usá-los ou não. Na escola - nada de seios na escola. Atrapalham, doem quando ela corre, e os meninos adoram dizer que ela usa enchimento no sutiã. "Eles vão ver, um dia eu me encho e levanto a camiseta e mostro pra eles!" Este tem sido o meu pesadelo mais recorrente: ela subindo a blusa no meio do pátio pra provar que ali é tudo natural - e os bispos da igreja metodista vendo tudo lá da pastoral. Oremos.

Enfim. Zé Colméia tem seios. Os sutiãs que eu comprei pra ela e nada são the same thing. Entonces (estamos trilingues hoje) lá fui procurar um modelo sem frescuras que impedisse que aquilo tudo furasse a camiseta da escola. Dos 45.490.572 tipos que a vendedora me mostrou, achei dois modelos - atenção: dois - que não eram de bojo forrado com enchimento para subir/empinar/crescer/massagear/impedir o decaimento dos seios. Dois modelos.

Igual aos xampus (você consegue comprar xampu que só lave o cabelo, sem efeitos 3D blue-ray? Eu, não) você não encontra sutiã que apenas sirva de porta-seios.

Eu estou ficando pra trás. E sem ninguém pra me dar uma carona.

sexta-feira, maio 18, 2012

Quarto do pânico

O que mais tem me impressionado nesses últimos dias é o quanto eu acumulei. Essa é a palavra: acumulei. Não joguei nada fora. As desculpas foram variadas, infinitas - criativa e largamente usadas nos últimos 15 anos da minha vida. "Depois eu vejo isso, quando tudo acalmar depois do casamento", "Eu posso precisar disso logo, logo", "Não dá pra fazer tudo ao mesmo tempo, com um bebê em casa", "Não dá pra separar nada do jeito que eu estou enjoando/inchando/ parindo", "Não tenho tempo nem pra comer com duas crianças tão pequenas e mais o emprego", "Não quero mexer nada, só deixar o divórcio passar", "Trabalhando feito uma condenada não quero nem pensar em arrumação nos fins de semana", "Quando as meninas forem mais crescidas eu encaro essa arrumação", "Tenho que perder só cinco quilos pra isso caber de novo", "Essas saias custaram uma fortuna, com certeza vão voltar à moda", "Eu não tenho ainda um orfanato que realmente esteja precisando dessas doações", "Não tenho quem leve toda essa louça embora", "Não quero me desfazer por enquanto dessa cama", "Não acho quem desmonte e aceite consertar essa casinha de madeira das meninas", "Não estou com saco de mexer nisso".

O quarto onde eu montei meu escritório na casa dos meus pais agora vive trancado. Ele guarda atrás da porta 15 anos de total e absoluta inércia sobre o que fazer com o que não me serve mais - objetos, roupas, sapatos, móveis, louças, eletrodomésticos,  lembranças, objetivos, desejos acumulados e que eu não sei nem por onde começar a me desfazer.

quinta-feira, maio 17, 2012

Daqui a pouco

Querer fazer é uma coisa. Ter a ideia, todos os detalhes na cabeça, a evolução natural do negócio até aquela loja ali na galeria - eu passo por ela quase todo dia, e as meninas já falam "olha mãe, ninguém alugou ainda" (quando o cartaz de "aluga-se" uma vez sumiu da vitrine, as duas olharam pra mim com cara de pêsames, e eu juro que o beicinho da Catatau deu aquela tremida básica de canceriana) - então, tudo no seu cérebro, menos como começar.

Bom, vai ser um site, óbvio. A única ferramenta que eu conheço é esse blogspot que vos fala. Eu quero fazer no Wordpress, e depois, quando (e se) o negócio decolar, migrar para um site com domínio pago etc e tal. Os conformes. Mas fazer todo o layout, procurar as imagens, colocar os textos, dividir as seções. Montar a coisa. Pensar que, se der certo, eu vou ter que dar adeus à vida de assalariada. Porque as duas coisas eu não vou conseguir fazer. E ter que vender o produto - o site e a ideia dele - pra conseguir que ele seja rentável.

Medo. Muito, MUITO medo. Eu nunca fiz nada pra mim dessa envergadura. Mas ao mesmo tempo eu faço em dois meses 46 anos. Não tenho casa própria, não tenho dinheiro guardado. Se eu morrer amanhã meus pais vão ter que pagar meu enterro. Vou deixar dívidas de herança para as minhas filhas. Não me relaciono com ninguém já quase uma década. O que diabos eu estou esperando pra realizar um sonho meu?

"Eu não sei", sempre diz sorrindo o diabo da procrastinação.

terça-feira, maio 15, 2012

Miss Hyde

Como é possível - você, que já passou por isso, me explica por favor - que aquela menina linda, rechonchuda, que amava o Urso da Casa Azul, adorava vestidos blusas calças shorts macacões sapatos bolsas casacos tudo cor-de-rosa e acordava sorrindo pra vida virou essa criatura monstr..., digo, adolescente petulante arrogante desbocada adoradora de Crepúsculo?

Socorro - é sério. Socorro.

segunda-feira, maio 14, 2012

Demorô

As coisas mudam; eu mudei. E isso deve acontecer com todo mundo, porque não deve ser somente eu - pelamordedeus. Já tem muito tempo - e bota tempo nisso - que eu quero ter prazer no trabalho mais do que ganhar dinheiro. Eu quero realizar alguma coisa. Se eu ganhar dinheiro com isso, oba oba.

Esta semana vou começar a fazer a página. Vai ser pra ler, pra refletir, e não pra ganhar dinheiro - provavelmente pra ganhar dinheiro eu vou ter que ter um sócio ou uma sócia que saiba fazer isso, porque eu não sei. Por um tempo, provavelmente outros vão faturar. Eu sei tornar reais os sonhos. Eu sei planejar, eu sei discutir, eu sei desenhar e arrumar. Infelizmente, eu não sei fazer sonhos renderem dinheiro. Mas mesmo que eu jamais ganhe um tostão com ele, ele vai se realizar. Demorando um mês ou um ano, você vai receber convite virtual pra ir lá e palpitar.

Saudades docês.

terça-feira, abril 03, 2012

Um novo dia

Muitas mudanças. Ainda não sei se para o bem ou para o mal. Só sei que jamais estive tão cheia de energia e expectativa quanto ao meu futuro. E tempo pra escrever? Tempo eu tenho, não tenho é internet. Thanks, Virtua.

quinta-feira, fevereiro 02, 2012

Miudezas

Velhinhos de Ipanema não são como os outros velhinhos. Não, de jeito nenhum. Eles têm apuro em se vestir. Têm sorrisos luminosos, olhos brilhantes, e são extremamente cavalheiros. Dão passagem, abrem portas, dizem "por gentileza, senhorita" mesmo que você esteja com uma barriga de 13 meses de gravidez.
Eu amo os velhinhos de Ipanema - as velhinhas, porém, usam muita sombra azul. Uma pena.

Como as meninas estão com o pai, comecei a trocar o dia pela noite. Tenho um horário livre, então chego à revista ao meio-dia e agora, nove da noite, ainda estou na redação. Todo mundo foi embora. A noite pra mim sempre foi melhor do que o dia. Meu trabalho rende mais; o que eu amo fica mais atraente à noite, e a sensação que eu estou sozinha no mundo é preciosa. Noites têm cheiro diferente. Sou uma criatura lunar, dizem os astrólogos sobre os cancerianos.

Meu golden retriever de 14 anos está cego de um dos olhos, e mal enxerga do outro. Demora a subir as ancas quando se levanta, mas com que orgulho ele empina as orelhas e late quando sente uma sombra diferente, um cheiro que não é o meu. Levei-o ao veterinário; quando chegamos, foi como se um alto-falante anunciasse Elvis is in the building. Ele é grande, musculoso (está pesando 52 quilos!), dourado, lustroso. Ele é majestoso, o meu gato laranja.

Ouço um recado que as meninas deixaram na caixa postal do meu celular. Não reconheço a voz das duas. Em um mês já não reconheço a voz das minhas filhas. Alguém pode por gentileza cutucar o motorneiro e pedir que ele pare o bonde que eu quero descer e voltar à estação? Lá, onde as duas eram meninas que amavam sapatos de bichinhos, vestidos de pregas e muito cor-de-rosa? Pode voltar, por favor? Eu esqueci uma coisa no banco - a infância delas!

Queria muito me apaixonar de novo. Mas ao mesmo tempo penso na canseira que isso provoca. O relacionamento que pressupõe confiar no outro, e aprender a aceitar, a acertar e errar, a lidar com outra vida. E sinto uma onda tão grande de medo que me apavoro e, igual a uma galinha, volto a ciscar em volta do meu engradadinho.
Lealdade, fidelidade, confiança, certeza, amor. De mão beijada não dá.

quinta-feira, janeiro 26, 2012

...

Num dos prédios que desabaram hoje no Centro do Rio ficava o nosso escritório de contabilidade. A revista perdeu toda a sua documentação fiscal. O gerente financeiro conseguiu ligar para um dos celulares da empresa - do filho do casal que é dono do escritório - e, depois disso, ninguém conseguiu mais trabalhar: não dava para esquecer a voz do rapaz dizendo "Não sei onde está minha mãe!"

quarta-feira, janeiro 25, 2012

De volta para o futuro



Pra escrever num blog a gente tem que começar a pensar em forma de post. Pensar pra se adequar a uma ferramenta de convívio social. Parece doideira, mas não é. E a maneira como eu me sinto chegando a essa conclusão é mais doida ainda. Porque meu celular de quatro anos atrás só faz e recebe chamadas. Só. Não tem câmera, bluetooth, internet, filmadora, conexão com redes sociais, gravador, comando de voz. Não tem nem capa nem lavadora de pratos via download na página do fabricante. Não roda Android, muito menos C3PO.

Aplicativos são, para mim, tão familiares como o Códice de Dresden - pra você ver que não basta fazer esquema com desenhos coloridos. Não entendo quem quer smartphone e não consegue nem migrar a agenda de um telefone pro outro (né dona Cris?). Sou daquelas que lêem manual de instrução e bula de remédio frente-e-verso, incluindo as letras miúdas do rótulos de xampu.

Eu me sinto ficando pra trás, dando tchauzinho (só de dedinho, porque estamos já nos 45 do segundo tempo, com um pé na prorrogação) pra quem já anda em velocidade de dobra. Funcionou, tá lindo. Não precisa complicar.

Estou entrando na fase em que o cérebro progride e o corpo declina. O pensamento não acompanha a paciência, e vice-versa. Os neurônios vão, mas o resto das células ficam. É um descolamento esquisito, que só quem está nessa dimensão percebe.

Tô voando, eu sei.

terça-feira, janeiro 24, 2012

Fim do expediente

Faz tempo. Muito tempo. Mas o trabalho anda muito (graças!), as meninas estão viajando com o pai e o pedreiro botou meu banheiro abaixo, mas por uma boa causa: trocar um encanamento de cem anos. E o melhor: eu posso pagar!

Aê. A vida vai andando, e parece que 2012 vai ser um bom ano. Ninguém me disse, ninguém me contou, mas eu estou com a sensação que. As contas continuam chegando, as meninas continuam crescendo, eu continuo envelhecendo, meus pais, meus cachorros, a casa. Ficando velha sem paciência, com a pachorra de gastar as viagens de metrô analisando e me perguntando se um dia sobrará homem sobre a terra que NÃO se depile. Que deixe os braços com aqueles cabelos negros enroscando deliciosamente em volta da pulseira do relógio.

Talvez eu vá a Nova York em março, ou a Madri em fevereiro. Mas eu queria mesmo era ir pra Friburgo, ver meus pais. Ou viajar com as meninas para o sul - cê me espera, Dita?

Então. É isso. Todo mundo da revista foi embora, e eu estou triste porque não vou mais poder baixar minhas séries pra assistir em casa comendo Pringles sabor vulcão ardido. Já está ficando escuro e eu vou começar o caminho pro meu morro - criticando as roupas do mulherio no metrô, ensinando pela enésima vez pra algum turista pra que lado fica a Praia de Ipanema e pensando em como eu sou uma mulher de sorte e, hoje, feliz.